quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Crônicas Artonianas #31 - A Saga da Escravidão - Parte I

Tapista é mais do que um reino figurante na Federação do Reinado. É um Império por si só. Os minotauros, crias de Tauron, o deus da força, formam a enorme população de uma sociedade em que sobram conceitos muito diferentes do resto dos reinos humanos, como cidadania, república, legião e escravidão. Muitos reinos repudiam a prática escravagista, mas Deheon faz vista grossa porque o argumento dos minotauros é considerado válido para sua existência. Estes argumentos são, controversos.

O fato é que muitos escravos vivem bem. Sem sua liberdade, muitos possuem regalias que seriam motivo de inveja a muitos camponeses de um reino humano. Muitos escravos eram bem tratados. A ideologia da sociedade de Tapista se confundia com o dogma de Tauron: o forte deve dominar e proteger o mais fraco. E o fraco deve tributo e respeito ao seu senhor. Nessa relação mútua, ambos os lados viviam bem. Era uma troca muito proveitosa para quem só tem a perder.

***

Ilendar havia sonhado com sua terra natal. Até sentia na pele os grãos de areia que eram espalhados pelos ventos. Mas então acordou, horrorizada. Sem seus véus no rosto, percebeu que seus milagres haviam desaparecido. Suas preces não mais alcançavam Aquele-que-tudo-vê. Sentiu a leve brisa soprando em seu rosto e sem seus cabelos. Um incômodo notável. Seus braços estavam presos a correntes na parede. Assim como seu pescoço. Onde estaria?

Sua pergunta logo se respondeu ao notar que a grade à sua frente abria e entrava um homem musculoso, trajando túnicas e com um rosto bovino. Era um minotauro, do Império de Tapista. Ilendar era uma escrava.

Aos poucos, ela foi percebendo com estranheza seu tratamento. Os minotauros que eram supostamente seus carrascos, responsáveis por tolir sua liberdade, a tratavam com respeito, mesmo sendo quem era. Talvez fosse o sacerdócio, mais que sua raça, que lhe permitiam gozar de um prestígio entre os escravos. Logo percebeu estar num templo de Tauron, num monastério no Lago de Tauron, numa pequena ilha onde o Rio dos Deuses desaguava no Mar Negro. Não podia ser um lugar pior para trancafiá-la.

Ela descobriu que Pineas era seu senhor. Um minotauro, clérigo de Tauron, orgulhoso e que se orgulhava de ser bondoso e tolerante com seus escravos. Ilendar conseguiu recusar presentes e até mesmo impor um modelo de presentes que aceitaria. Pineas era paciente e fazia, nada mais natural em sua mente, o que seriam os caprichos de sua escrava. Pineas era um homem forte e aguerrido, gostava dos esportes e comprou Ilendar para que ela escrevesse sobre o Deserto da Perdição, local onde sabia-se vir os clérigos de Azgher. Num misto de receio e constrangimento, ela foi aceitando seu papel sem questionar muito.

Até que percebeu que teria que deitar com Pineas. O clérigo de Tauron era polido, mas rígido. Era tolerante, mas exigente. Nada mais natural do tentar tornar Ilendar parte de seu harém. Ilendar não podia suportar. Num misto de desprezo e angústia, Ilendar não queria ter como seu primeiro parceiro um minotauro numa condição de escravidão. Pensou em muitas formas para se libertar, mas era inútil. Azgher havia abandonado-a havia alguns dias.

Na noite em que Pineas entrou em seu quarto, ele tentou ser gentil, ao seu modo. Disse que não precisava retirar seu véu para que não ofendesse seu deus. Explicou que como seria a primeira vez da clériga, doeria mais. Mas depois, com o tempo, ela se acostumaria. Se acostumaria com toda aquela vida: estudos, compartilhando sua cultura para os minotauros e seria tratada como uma donzela, uma clériga de Azgher sob a proteção de Tauron. Subjugada. Força sobre o Sol.

Ela usou seu dom. Seus olhos brilharam e quisera o destino que Pineas se transformasse em pedra quando tocava seu ombro. Ela estava parcialmente livre. Mirou novamente a janela no teto. Subiu sobre o corpo largo e poderoso, agora petrificado, de Pineas, clérigo de Tauron e alcançou sua liberdade. Correu, foi avistada. Alarmes soados com apitos dos guardas minotauros. Ilendar vislumbrou finalmente onde estava. Havia uma porção de terra, a muitos quilometros. Havia o mar logo abaixo, a muitos metros. Não teve escapatória. Sua liberdade ou a morte. Tentou descer o desfiladeiro para o mar, mas escorregou na primeira pedra. Caiu para a liberdade.

O choque da água a atordoou. Se debateu profundamente tentando não perder a consciência e conseguiu vislumbrar uma caverna submersa. Subiu, recuperou o fôlego e notou que os minotauros a miravam de cima com os olhos. Sabia que Tauron condenava o uso de armas de distância, então sentiu-se por hora segura. Mergulhou e nadou nas águas tranquilas pela caverna. Encontrou uma superfície onde havia água. Uma caverna natural, um corredor formado à sua frente. Nadou até começar a subir pelas pedras. Percebeu aos poucos que a água era doce. Estava, então, em algum rio! Andou pelo corredor fazendo um mapa mental e descobriu, com um susto, um corpo - já somente o esqueleto - de um homem. Havia uma mochila ao seu lado, grande e envelhecida. Abriu e notou uma cimitarra numa bainha ricamente ornamentada em ouro e rubi. Estava escrito "O Sol é Meu Destino", na língua dos Sar-Allan, a tribo escolhida por Azgher. Desembainhou, maravilhada e notou que a lâmina era magistral. No cabo, runas num dialeto muito antigo. Ilendar leu "Maktub" e um fio vermelho percorreu a lâmina curvada da cimitarra e as chamas surgiram. Na ponta do cabo ainda havia um rubi vermelho como o sangue que emanava nuvens pálidas em movimento. Ela lembrou-se logo dos mitos sobre os espíritos que despertavam numa relíquia de Azgher e dos gênios que tinham personalidades ardilosas. Resolveu não pensar nisso. Dentro da mochila ainda havia um símbolo sagrado de Azgher. Retirou com cuidado e tomou para si. Quem quer que tivesse sido aquele esqueleto, era um clérigo do Deus-Sol e era importante. O que fazia alí?

Dormiu e no dia seguinte, orou redobrado para agradecer os presentes que Azgher havia colocado em seu caminho. Em troca, sentiu o calor dos milagres divinos tomando seu corpo. Seus poderes, enfim, haviam voltado. Sorriu com felicidade genuína. Nadou para fora e percebeu um casco de um navio. Assustada, voltou rapidamente. Ficou algumas horas esperando e notou que ninguém viera. Talvez fosse uma embarcação mercante. Decidiu esperar mais, apesar da enorme fome que sentia. Bebia da água doce e isso bastava por enquanto.

No dia seguinte, tentou a sorte novamente, antes mesmo da hora de orar. Subiu e notou que a embarcação era de humanos e havia apenas um minotauro. Ficou intrigada. Ficou em silêncio, posicionou-se a fim de entrar em hamonia com os movimentos da água e começou a escutar sons de vozes vindas lá do barco. "Ele chegou, finalmente. Vamos, desça e traga nem que seja o corpo daquele clérigo." Mergulhou assustada e voltou para a caverna. Uma vez lá pegou a bainha e nem bem sacou sua cimitarra e notou a presença de mais alguém. Virou-se rapidamente para a água e viu um homem de pele azulada, cabelos cor de pérola, olhos amarelos e barbatanas no lugar das orelhas. Trazia um rosto resignado de apatia. Olhou para Ilendar em posição de combate.

- Não quero lutar. Venha comigo. O capitão Hardman não vai escravizá-la. Quer apenas te levar daqui.

Ilendar ficou muito receosa. Sentiu-se estúpida por várias vezes notar que podia confiar nas palavras daquele homem azul. Trocaram algumas palavras a mais e ela foi convencida. O homem azul queria apenas levá-la para cima e seria pago. Se o capitão Hardman quisesse prendê-la, ele a ajudaria na fuga. Era uma troca justa. Subiram.

O capitão Hardman era tudo aquilo que se espera de um pirata das histórias infantis. Corpo largo, pele bronzeada, barba rala, tapa-olho e perna de pau. Mirou Ilendar com satisfação e viu a cimitarra em sua cintura. Pediu que tirasse, ela disse que não. Tom, o minotauro guarda-costas foi chamado para retirar a força. Um combate curto se sucedeu. Ilendar feriu muito ao minotauro e capitão Hardman pediu para que ela não o matasse.

- Tudo bem, pode ficar com isso, desde que não use. A não ser que incomodada, é claro.

- Tudo bem. Mas isso foi culpa sua. - Respondeu a clériga de Azgher enquanto evocava o poder da cura de Azgher sobre o minotauro ferido.

O barco levantou âncora com um pouco de pressa, não querendo ser visto pelo monastério de Tauron e Oceano. Viajaram e com o tempo, o capitão Hardman explicou o que estava acontecendo. "Simplificando, Tapista tem um problema dentro do governo e não pode resolver de forma legal, sabe? Aventureiros seriam uma desgraça e não são confiáveis. O que querem? Escravos-aventureiros! Amanhã pela noite, quando chegarmos à Foz, você conhecerá Moreas, da Guarda Pretoriana. Ele deverá gostar de você. Você é um elfo?"

Ilendar ficou confusa, mas sabia que Moreas poderia exclarecer mais. Resolveu descansar com um olho aberto. Amanheceu e percebeu que seu corpo estava mais cansado e faminto que esperava: dormiu pesadamente e, ao acordar, devorou a terrível sopa da tripulação. Logo chegaram à Foz e ela se perguntou se estava realmente em Tapista. Porto livre para piratas e marinheiros de outros reinos, Foz era uma sujeira e exemplo de canalhice. Diferente de Ahlen onde havia sarcasmo, ironia, intriga e morte discreta, em Foz as pessoas matavam umas as outras por motivos mais patéticos possíveis. A pequena, mas organizada, milícia de minotauros apenas observavam e faziam vista grossa. Apenas as coisas mais escandaradas que eles não permitiam acontecer. Praticamente uma cidade sem lei, onde cada um deve ser forte, rápido ou esperto o bastante para resolver seus próprios problemas, os minotauros não fazem nada a respeito para continuarem a ter informantes e espiões por alí.

A noite, capitão Hardman falou mais sobre Moreas, repetindo algumas informações. Disse que ele tinha um apreço pela arte e cultura élfica e ficou aturdido quando Ilendar se revelou mulher. Resmungou pragas e pediu para que ela não contasse a seus comandados que tinham carregado uma mulher no barco. Então, um jovem mensageiro aproximou-se. Dizia que Moreas estava no galpão doze a espera. O capitão Hardman e Ilendar saíram da taverna, passando por cima de um defunto. Andaram pelas ruas e Ilendar segurou sua vontade de fazer algo contra aquele caos instaurado naquela cidade. Chegando ao galpão doze, entrou num ambiente iluminado por uma tocha na parede. Sua visão no escuro permitiu ver que não havia emboscada. Um minotauro enorme com ombros largos, trajando armaduras negras e manto púrpura. Chifres bem lustrados. Virando-se, ele possuia um olhar que, apesar de ser difícil compreender, demonstrava um desconforto e constrangimento além do normal.

- Eu sou Moreas, Comandante da Guarda Pretoriana. Somos uma guarda de elite, ligada somente ao Prínceps, nosso Primeiro Cidadão, Aurakas. Seria o que vocês entendem por Regente. Apesar do incidente com o clérigo de Tauron Pineas, os assuntos pelos quais venho a tratar são de mais importância. Venho aqui pedir-lhe, Ilendar, seus serviços como aventureira. A Guarda tem razões para crer que exista um culto profano e proibido no Império, mais precisamente no Charco de Possun. Um culto à Tenebra, a deusa das trevas. Sendo uma clériga de Azgher acredito que saiba como lidar com estes cultistas. A Guarda Pretoriana também tem motivos para crer que um Senador esteja envolvido neste culto. Que ele seja um cultista. O que peço, em nome da segurança imperial de Tapista, é que desbarateie este culto e elimine seus cultistas. Não importando se o Senador estiver presente. Poderia convocar algum dos tantos clérigos de Azgher livres, mas quero discrição. Não seria bom para a nossa sociedade. Peço a você, que é escrava. Em troca, é claro, de sua liberdade se ainda a desejar. - Aturdida com tantas informações, processou e teve uma idéia. Talvez pudesse encontrar os outros, se estivessem vivos.

- Acredito que saiba que sozinha não sou capaz de lidar com uma eliminação de cultos. Os minotauros, sendo seres de extrema força, seriam demais para mim. Ainda mais se este Senador estiver envolvido. Mas possuo amigos. Estava com eles quando fui...

Moreas retirou um pergaminho do cinto e o leu:

- Kuala-Lampur, Edward e Lothar Orselen, estou certo? Foram vendidos no mesmo dia que você.
- Sim. São meus amigos. São confiáveis como eu e, como você disse, são escravos. Onde estão?

- Essa informação ainda não possuo. Apenas em Tiberius posso obtê-las. Se eles a acompanharem e conseguirem êxito na missão, estarão livres, se ainda desejarem tamanha perdição. Aceitas?

- Temos um acordo! - Ilendar lembrou de Peter, o pequeno garoto que deixou as Montanhas de Teldiskan e se transformou em pedra para evitar que o simbionte o consumisse por inteiro. O que terá sido feito dele?

No dia seguinte, Moreas escoltado por dois membros da Guarda Pretoriana, mas com menos medalhas que ele, partiram com Ilendar pela estrada bem pavimentada que ligava Foz a Tiberius. Oito dias se passaram...

***

Keilana-Peni estava pescando com maestria. Mesmo para uma menina de seis anos. Kuala-Lampur sorria satisfeito. Mas, sentia no fundo de seu âmago, que era mais um sonho. Refutou essa idéia e se divertiu o máximo que pode com ela. Até que ela caiu da jangada. Kuala se precipitou mergulhando para salvá-la. Não a encontrou e, pior que isso, teve uma visão de um dragão maior que a vida. Benthos, o deus menor dos mares. Lutava desesperadamente contra um adversário ainda maior. O Dragão da Tormenta, vermelho, custurado, muitos olhos e dentes. Aberrativo, corrupto. Logo, tudo ficou vermelho em sua visão. Lembrou de Peter Burke e sua lâmina flamejante que acertou seu braço, partindo ossos. E acordou com dores nos pulsos. Viu que estava com uma algema apertada e com correntes na perna direita, presa a uma bola de ferro maciço. As paredes eram de mármore misto e havia um homem deitado, sem camisa, ao seu lado. Possuia os mesmos aprisionamentos. Ele acordou assim que Kuala se mexeu. Viu à sua frente grades e ficou desesperado com o claustro. Trocaram palavras. Grog se divertiu com o nome do homem de Khubar e se revelou ser ele próprio de Ahlen. Estavam em Tapista, o reino dos Minotauros, há quase quatro meses de viagem de onde estavam. Kuala se desesperou por completo levando sua mão à testa. Keilana-Peni estaria ainda viva depois de tanto tempo?

Um minotauro de nome Gorak apareceu resmungando contra os prisioneiros. Mandou que Kuala se levantasse. Este o fez, ainda aturdido. Foi levado aos trancos para outra sala. Lá, viu armaduras e uma lança.

- Você vai lutar agora, homem. Pegue aquela armadura e aquela lança. Vê se não morre.

- Não uso armaduras. - Kuala mirou o homem, de repente, com essa verdade. Ele não usava armaduras porque era um khubariano e confiava em suas tatuagens que gravavam a presença dos espíritos de seus ancestrais. Sem motivos para nada fazer, pegou a lança e foi levado escadarias acima. Ouviu urros de satisfação. Era uma Arena de Gladiadores. A platéia, toda de minotauros vestidos em túnicas, queriam sangue. Um minotauro com cara de bode apresentou o khubariano, sob o senhor Ikarus de Marmo. Kuala entendeu o porquê de estar alí. Mas de qualquer forma, não queria lutar. Surpreendeu-se com quem era seu adversário. Um homem vestindo armaduras mínimas com uma ombreira e um gládio em mãos. Seus olhos azuis e cabelos longos, soltos e dourados voavam ao sabor do vento. Era sir Lothar Orselen, o cavaleiro da luz, também escravizado. O minotauro anunciante disse seu nome, mas não disse seu título de sir. Seu senhor era Ghilotan, e a platéia ensaiou um tímido ruído de vaia. Um urro foi solto e significava que começaria a luta, pelo torneio de Calacala.

Os dois se aproximaram, felizes em se reencontrar. As vaias foram enormes. Jogaram repolho e tomates. Lothar tentou dialogar com a platéia alegando ser um amigo de seu adversário. Não podiam lutar. Mas a plateia queriam sangue e escravos não tinham direito a amizade. Guardas da Arena de Calacala entraram e tentaram aprisionar os dois combatentes. Partiu de Lothar a resistência. Kuala-Lampur e Lothar lutaram contra seis minotauros. Dois tombaram mortos pelas mãos de Lothar. Ele foi punido e praticamente morreu. Kuala olhou com horror pela segunda vez em ver seu aliado praticamente morto pela segunda vez. Kuala fora arrastado para fora, ferido. Foi acorrentado e posto sobre um buraco onde haviam estacas no chão. Gorak se aproximou com um sorriso malígno no rosto. Seu senhor, Ikarus, finalmente se apresentou. Cabeça de bizão, cota de malha e mantos verdes. Olhar furioso.

- Sabe quanto vai me custar, bárbaro? Você foi eliminado do torneio que eu investi as minhas cuecas! Agora vai apanhar! Gorak, cem chibatadas para ele aprender.

- Não adianta, prefiro a morte. - Kuala resignou-se. Sua irmã estava perdida. Levou cem chibatadas e adquiriu uma miríade de cicatrizes pelas costas, peito e rosto. Gorak sorria de satisfação.

No dia seguinte, estava muito ferido e cansado. Foi levado para uma cela novamente. Dormiu de novo. Acordou com o barulho de tigela sendo jogado na cela. Grog falou um número incontável de besteiras e Kuala pediu pela surdez. Ajoelhou perante a tigela e lambeu. Dia seguinte, Gorak entrou na cela e analisou de perto as condições de Kuala. Viu que estava muito fraco ainda. Durante uma semana, Kuala não foi importunado. Conversou com Grog sobre pouca coisa. Um dia, Grog voltava com um ferimento enorme no peito. Estava feliz por ter matado seu primeiro minotauro. Kuala-Lampur sentiu pena daquele homenzinho. Um dia, Kuala estava bem e Ikarus foi visitá-lo.

- Você não pode jogar sua vida fora assim. Ela é minha e custou pesados cinquentos tibares de ouro. Você vai lutar pela sua vida!

- Não. Prefiro morrer a ser escravo.

Ikarus saiu, chutando pedras. Voltou no dia seguinte.

- Seguinte, humano, você tem que lutar por sua vida.

- Só luto por Keilana-Peni, minha irmã! Quero sair daqui para procurá-la! - Kuala-Lampur estava irritado.

- Agora podemos conversar. Você quer algo, eu quero algo. Façamos uma troca. Você luta por mim, ganha dinheiro para mim e eu uso parte desse dinheiro para contratar aventureiros, informantes, ou sei lá o que para buscar sua irmã. O que me diz?

- Digo que o farei um homem rico! - Kuala-Lampur sentia um desejo enorme de fugir, mas a idéia de que sua irmã fosse procurada lhe deu ânimo para fazer algo que estava fazendo muito nos últimos meses: matar.

Os detalhes sobre Keilana-Peni foram passados para Ikarus, inclusive sobre os sacerdotes de Keenn da Sétima Lâmina e sobre as possíveis localidades. Nomes como Lomatubar, Tollon e Ahlen foram mencionados. Ikarus temia que gastaria muito dinheiro nisso. Mas se Kuala-Lampur fosse o guerreiro que seu vendedor havia dito que era, ficaria rico em breve. Kuala foi para a arena mais uma vez, mas a luta seria eliminatórias para o torneio de outra cidade. Enfrentou um homem que transparecia miséria pura. Teve um pouco de pena, mas sua irmã estava em primeiro lugar. Usou sua lança e derrubou seu adversário rapidamente.

Ambos viajaram de navio, por quase duas semanas, até os portos de Tile. Sobre a cidade, as pessoas apenas diziam que havia muitos bons lugares para se trabalhar e viver em Tapista, e que Tile certamente não era um destes! Esta rigorosa cidade de mineradores vivia sob constantes ataques de ogres e goblinóides em geral. Suas defesas eram insuficientes, e muitos morriam ou ficavam muito feridos durante esses ataques. Em geral, escravos muito problemáticos eram enviados para trabalhar em suas minas, onde deviam terminar seus dias de forma nem um pouco agradável. Mas como toda cidade de médio porte, havia um arena de gladiadores e torneios e apostas. Ikarus encontrou sua chance de recuperar seu dinheiro num torneio em Tile, que seria classificatório para o grande dia da chegada de Vectora em Tapista. Ele sonhava com o ouro.

Kuala-Lampur recebeu mais comida por estar cooperando. Ele percebeu que os minotauros não eram malignos por serem escravistas. Para eles era uma forma natural de viver. Só o castigavam quando ele não cumpria o que queriam. Olhou para o exemplo de Grog e não sentiu mais tanta pena. Ele arriscava sua vida, mas tinha alguma fama e as pessoas o adoravam. Grog, apesar de limitado intelecualmente, fazia o que queria, mesmo sendo escravo. Levado à arena, percebeu que era bastante rudimentar se comparada à Calacala. Os minotauros da plateia, no entanto, eram muito menos numerosos. Havia um grande número de anões e humanos escravos. Todos com algum vestígio de sujeira de carvão.

Nas preliminares, antes do início do torneio, haveria uma execução. Os anões gritavam e xingavam os criminosos condenados e pediam para que sofressem. Uma jovem mulher foi enforcada. Em seguida, um homem teria sua vida testada frente a um desafio: um leão. Kuala-Lampur detestou aquela manifestação, mas quando viu o criminoso entrar na arena, arregalou seus olhos. Era Edward, o feiticeiro de batalha!

- Ikarus! Olhe! É Edward! É meu amigo alí! - Dizia ele, com tom alto em sua voz.

- Ah, sei. - Ikarus lia um pergaminho sobre o torneio. Queria estar a par sobre as regras do torneio para achar uma brecha.

- Ikarus! Salve-o! É meu amigo! Ele vai morrer! - Insistiu.

- Acalme-se homem! Deixe ele morrer! Não posso fazer nada! Ele é um criminoso! - Irritou-se Ikarus.

- Eu também era, não? Um escravo? Compre-o! - Retrucou Kuala.

- Não. Muito caro fazer algo do tipo. - Finalizou Ikarus, voltando a ler o pergaminho.

- Salve-o! Ou não lutarei! - Kuala avançou sobre seu senhor e pegou o pergaminho que lia. O rasgou. Era uma humilhação pública.

- Seu bárbaro! Fique aí sentado! Esqueceu nosso acordo? Ou sua irmã ou esse seu amigo criminoso! Escolha!

- Não! Keilana-Peni! Salve Keilana-Peni! Mas salve ele também! Vou lhe fazer um homem rico!

Nem mesmo Ikarus soube porque fizera. Talvez o desespero do homem a sua frente havia tocado seu coração.

- Está bem! Mas lute como nunca! Quero que vença o torneio!

Ikarus gritou aos guardas e desceu da arquibancada. Falou com outros minotauros e os anões chiaram. Então, houve acordo. Para ser mais barato, Ikarus arriscaria Kuala e o criminoso para lutarem contra o leão. Kuala-Lampur aceitou e desceu para a arena. Abraçou Edward que chorava copiosamente ao ver o amigo, alguém conhecido depois de muito tempo. Edward estava mais magro, com grandes olheiras e roupas totalmente rasgadas. Possuia ferimentos sujos de carvão pelo corpo. Um grande X em seu peito remetia a lembraças horríveis daquela fatídica batalha em que foram massacrados. De pé, Edward estava faminto. Foram retirada as algemas e o leão fora solto. Mas não era um leão comum. Era um leão atroz, trazido da Floresta de Megalokk ao norte da cidade.

Era um leão imenso que possuia uma juba curta e pelagem fulva. Essa criatura monstruosa tinha protuberâncias ósseas nos olhos e nos ombros e uma crista afiada ao longo da espinha dorsal. E rugia em fúria. Ele mordeu, arranhou. Kuala estocou. Edward explodiu com seus poderes mágicos. Fogo e mais fogo. O leão caiu morto. A platéia gritou satisfeita pela matança. A platéia sempre gritava satisfeita, desde que houvesse sangue e um morto.

Após isso, Edward se tornou escravo de Ikarus. Ele adquiriu os papeis mais tarde tornando-o escravo do Estado para escravo particular. Horas depois, começaria o torneio.

Houve uma luta de dupla, onde quatro participantes ficavam na arena. Quando seu adversário era derrotado, a regra era atacar o adversário de sua dupla e depois, sua própria dupla! Kuala-Lampur não entendia como aquela gente se divertia com jogos tão doentis. Lutar e matar por diversão. Ele conseguiu vencer essa fase da competição, derrotando um minotauro que era gladiador por escolha. Era livre, mas gostava da fama e de matar. Seu nome, Garguan, era gritado pela rude platéia. Kuala o derrotou com extrema perícia, evitando bem os ataques de seu adversário. A platéia mudou de lado quase que instantâneamente. "Khubariano!" era o que gritavam. No dia seguinte seria outra fase, com outro nome.

Voltou para sua cela e percebeu que havia muita comida numa bandeja. Ikarus estava feliz com seus dez tibares de ouro e concedeu dois deles para pagar um banquete ao seu escravo favorito. Grog sentiu inveja, mas Kuala-Lampur dividiu com ele o que podia, inclusive dando todo o hidromel. Então, ele dormiu um pouco ansioso para as lutas do dia seguinte.

7 comentários:

Marins disse...

grande pacas!

mas ficou otimo

Capuccino disse...

mt bom msm =)

R-E-N-A-T-O disse...

Peter :~

Tadinho!

Foda!!! Kuala! Kuala!! Kuala!!!

S i n n e r disse...

Apesar da distância, acho que o desfecho foi no mínimo inusitado. Se bem que a liberdade poderia ter custado muito mais sangue e dor. Contratos e acordos ficam muito comuns, esperava algo mais hardcore ò.ó
Malditos! Jogando todo dia e protelando o jogo de minha folga pro dia 08/03. Morram seus vermes desprezíeis!
Posssível retorno dia 28/02 e pelo jeito antes disso não rolará jogo né (até porque, depois dessa overdose fica difícil ter tesão pra tal)
Espero uma morte lenta e dolorosa.
Abraços e adièau.

PS.: Deixarei o background de Derfel no rascunho do post. Ao infeliz que tem a posse de sua ficha, favor transcrevê-la e adicioná-la no post do último libertador.

Marins disse...

Renatoooo

é pra vc!

Capuccino disse...

BOm livro!

Otima sessao hj aldi!

Aldenor disse...

Na verdade, sou eu quem tem a ficha dele hAUHAHUAHUAHUAUH porra, ela é gigante. Tenho mil posts pra fazer