domingo, 29 de março de 2009

Aurora Carmesim - Prólogos, parte 4


Ano 100

Hostil.

Essa era uma definição sucinta para a visão que enchia os olhos poderosos da deusa. Nunca havia imaginado adentrar seu desolado território. Mas já não era hora de conjecturas. Vira que seu plano, traçado intricadamente, falhara. Havia sim a possibilidade, mesmo que remota, do caos de Valkaria mudar tudo. E mudara. Ela não levara a escrita à sua nova criação e a dera apenas aos seus filhos artonianos.

Tanna-Toh não tinha tempo de recalcular a equação e reavaliar suas opções. Muita coisa precisava ser feita e mais uma decisão difícil precisava ser tomada. Mas ela precisava saber de algumas coisas antes de agir e apenas ele poderia lhe dizer, memso que com enigmas e frases desconexas. Aquele que vê através do tempo e acima da lógica. Thyatis.
Ela caminhou pelo que pareceram dias numa estrada calcinada através de uma paisagem crestada. O fogo imperava exultando o aspecto mais visível de seu deus. Uma grande montanha era sempre visível no horizonte porém nunca se aproximava. Por que ele protelava? O que causava aquela hesitação a seu encontro? O que ele sabia e que estaria fazendo antes de vê-la?

A figura decrepta estacou na estrada, perdida em perguntas e possibilidades. A velha mãe da palavra nem notou a passagem dos dias a sua volta assim como a figura que se aproximava flamejante contra o céu rubro. Ele viera a seu encontro.

- Olá senhora do conhecimento - bradou com sua voz poderosa a grande fênix no céu. Voava em círculos cada vez mais baixos, reduzindo a altura e seu tamanho gradativamente. Pousou ante a deusa, pouco maior que um carvalho. A chamas que emanavam de seu corpo eram quentes como o sol, mas ela sequer notara o calor.

- Olá Thyatis. Sabe o motivo de minha vinda?

- Quem seria eu se não soubesse? O futuro é claro como o dia ante meus olhos poderosos. Eu vejo através do tempo. Foi e sempre será assim.

- Então imagino que nossa conversa acabou. Já sabe as perguntas que serão feitas, por isso poupe-nos do trabalho.

- Qual o propósito das perguntas nunca feitas? Me admira a mãe da palavra se abster de proferí-las.

- Desculpe-me se o ofendo com minha pressa. Sabes tu o que está em jogo? - e novamente sentira-se estúpida ao perguntar. O que era aquela presença que sempre a instigava a perguntar? A reafirmar o poder da fênix? Ele sabia de tudo, dos porquês e comos, então qual o motivo do jogo?
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Antes

Caíra sobre a montanha como um cometa.
Adorava o cheiro de queimado daquele lugar, as figuras marcadas contra o solo, as marcas da fúria de um deus impiedoso. Talvez não tanto quanto ele, mas ainda assim simpatizava com a coisa. Odiava negociar com deuses-criaturas. Sempre brotava nele uma vontade irresistível de partir pra cima e domar as feras, pô-las em seu devido lugar. Animais.

Parara à porta da morada de Thyatis com um estrondo avassalador. A cratera que se formara abrigaria mil homens com facilidade e, ao estender a mão ao portão, o encontrou se abrindo. Um corredor reto levava direto aos aposentos da fênix.
Seu ninho de fogo estava vazio, assim como o poleiro acima deste. Ele atravessou depressa o corredor, apenas com o tilintar de sua armadura como companhia. Será que ele sabia por que ele estava ali? Claro que sabia. No fim, o bicho tinha suas qualidades.

- Adiante-se besta de guerra. Ajoelhe-se e pergunte sobre o futuro. Eu tenho todas as respostas para todas as perguntas, feitas ou ainda por nascer.

Ajoelhando-se ante o ninho, Keenn avaliava sua posição. Não seria atacado, não ali, no centro do reino de Thyatis. Ele causaria muito mais estragos do danos. Então a única resposta plausível era a demonstração de superioridade. Esperava que a fênix não soubesse de suas impressões acerca dele.

- Desejo beber de seu conhecimento, senhor da profecia. Ouso buscar suas respostas e entender o nebuloso futuro à minha frente. O senhor vai m...

- Sim, irei respondê-lo. Porém, preciso de uma paga de sua parte. Quando tudo estiver terminado, você me concederá um desejo. Sem questionar meus motivos ou intenções. És capaz de arcar com meu preço, Deus da Guerra?

A mente de Keenn fervilhava de opções. Quem aquele pombo pensava que era? Cada vez mais a vontade de depenar aquele pássaro presunçoso invadia sua mente. O que poderia querer dele? Não imaginava qual seria o preço, mas se fosse alto demais no fim, enfiaria a presunção daquela galinha super-crescida de volta cloaca adentro.

- Sim Thyatis, eu aceito o preço.

- Então fale Keenn e eu iluminarei suas dúvidas.
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- Sim senhora, eu sei.

- Irei algum dia alcançar esse novo lugar com meu poder? Como fazer para conhecê-lo, para saber como destruí-lo antes que nos destrua? Caso o líder do panteão descubra, o que ele faria? Posso impedir que esse conhecimento se perca, de algum modo?

"Eis o que acontecerá senhora e minhas palavras são o futuro. Você nunca o alcançará com seu poder pois o pai conhece o poder das palavras. Nós teremos um filho puro dessa criação entre nós, mas nunca saberemos que ele está aqui. O deus da justiça punirá com força e retitude mas será ineficaz em seus meios. Produzirá mais problemas do que soluções e será injusto nas atitudes. O conhecimento não se perderá ou encontrará, apenas existirá onde ninguém tenciona procurar."

- Agora vá mestra do conhecimento. Pondere e medite e jamais chegue a uma conclusão, pois esse é o mistério do futuro e seu legado é inútil até que aconteça. Apenas a mim é permitido ver e a ninguém é concedido entender.

Com dois passos Tanna-Toh retorna à sua biblioteca. Precisava meditar sobre tudo que havia ouvido. Mesmo que pouco e ineficaz, Thyatis tinha ajudado. Precisava traçar meios para proteger sua descoberta e as informações que resultavam dela. Sua previsão era muito mais precisa, porém extremamente demorada. Os três seriam descobertos e punidos, mas como? Um novo plano de descortinou ante seus olhos num instante.
Perdida em pensamentos a deusa povoa ainda mais de idéias sua gigalópole.
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"O deus dos ignóbeis levará o fogo da guerra à dama da beleza. Isso condenará à guerra a toda criação. A batalha vazia será vencida pelos ignorantes e a guerra que nascerá daí, perdida por toda Arton. A incapacidade de proteger trará a brecha para a ruína de todos. A maior de todas as batalhas se aproxima e quem tem poder se levantará, sob a bandeira do corvo. O que é rubro vai substituir o que é real e o que é vontade. E tudo será vermelho antes da realidade vencer."

- Siga seu caminho deus da guerra e trace seus planos. Cobrarei meu desejo em breve. O tempo para Thyatis é como areia ao vento, move-se quando quer e como desejar. Apresse-se.

Com o mesmo arroubo de poder da chegada Keenn se vai, levando parte do vulcão consigo. É guerra e Glórienn vai sofrer. Bastava que ele conduzisse bem suas peças. Sorrindo, seu humor se espalha por toda Werra lavando de sangue novo os campos de batalha.
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Uma cela escura de pedra morna. Uma cama e uma mesinha com alguns pratos quentes são as únicas coisas que destoam da desolação do ambiente. Através de uma janela quadrada ele fita o céu, vermelho de fúria. Onde estava? O que eram as coisas que o haviam seqüestrado? Grandes armaduras, modos rudes e fala grosseira. Além das muitas armas é claro. Aquele símbolo, um machado, uma espada e um martelo cruzados sobre um escudo. O que significaria? O que eles poderiam querer com alguém como ele?

Niebling se senta novamente na cama mordiscando um pedaço de algo macio, amarelo e quente, reconfortando-se com o sabor suave. Esperava ver seu captor em breve e, talvez, negociar sua liberdade.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Aurora Carmesim - Prólogos, parte 3


Ano 100

Era uma gigalópole. Uma visão impressionante até mesmo para um deus. Construções, criaturas, coisas, idéias, tudo dividindo espaço e interagindo sem conflito. Cada milímetro ocupado com possibilidades. Uma construção erguia-se acima das outras. Um palácio majestoso ocupado com todo o conhecimento que já existiu e alguns que ainda estão por existir. A casa da deusa do conhecimento. A biblioteca de Tanna-Toh.

Valkaria caminha maravilhada por entre os prédios, admirada com o calçamento das ruas. Nenhum desafio a espreita na esquina, nada é ilógico ou irreal. A visão do todo se encaixa perfeitamente com a unidade. A sensação opressiva de ordem incomoda a cada passo. Por que ela desejava lhe falar? O que era tão importante afim de requerer sua presença imediata? Estava ansiosa para descobrir.
Tanna-Toh sempre esteve tão reclusa em seu plano que um chamado é no mínimo estranho. Mas a vontade de descobrir movia cada passo da deusa. Seja o que fosse, iria descobrir, enfrentar e vencer. Era sua natureza.
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Sentada ante um quadro negro, Tanna-Toh contemplava o trabalho de 57 milhões de anos. O modelo matemático perfeito. Algo que mataria Thyatis apenas por existir. Prever o futuro através da análise de possibilidades, contrabalanceada com a fórmula do caos, tudo coexistindo na medida certa. O equilíbrio perfeito.
Apesar disso, ela não estava feliz. Sequer estava satisfeita. O que se descortinava ante seus olhos era desolador. O futuro era negro e ela tinha o conhecimento necessário para mudá-lo. Mas isso requereria duas coisas. Cooperação e sacrifício. Seu e de outrem.
Acabara de descobrir a cria profana dos três. Algo pecaminoso mesmo em concepção. Sua realidade, mesmo que jovem, ameaçava a existência do plano material de Arton. Ela teria que dar todos os passos certos, cultivar cada pequeno momento para que Arton tivesse a chance. Muitos estariam envolvidos mas o passo de agora seria crucial. Ofereceria o dom da escrita a Valkaria, sabendo que ela o levaria também a sua cria maldita. Com isso estaria presente lá por tempo suficiente para aprender. Aprender e planejar. Conhecimento é poder e ninguém sabia mais do que ela.
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Um amplo salão. Prateleiras e estantes que se elevavam ao céu inexistente. Em sua poltrona de chintz, estava sentada uma figura velha e decrepta, porém com olhos de criança. O universo cabia dentro daqueles olhos.

De frente para ela, de pé na frente de uma cadeira adornada em ouro e padrões intricados, uma figura inquieta batia o pé em descontentamento. Uma mulher bela de cabelos púrpuras, trajando uma surrada armadura de couro, uma mochila de viagem cheia e uma maça um pouco grande pra seu tamanho.

- O que quer de mim Tanna-Toh? A cada minuto aqui perco acontecimentos homéricos em algum lugar. A cada palavra deixo de ingressar em uma nova aventura. Não tenho tempo.

- Tenho algo a lhe ofertar minha jovem. Um presente inocente mas poderoso. Algo que vai estabelecer seus filhos como sociedade.

- O que seria? Um artefato? Um invento? Um conhecimento novo?

- Acalme-se querida. Sim, é sim um conhecimento. Algo capaz de nortear aventuras ou tramas épicas. Algo simples como já lhe disse. O Dom da Palavra Escrita.

- Palavra Escrita?

- Os filhos de Glórienn levaram 10 milhões de anos pra descobrí-la sozinhos. As crias de Kallyadranoch levaram outros 150 milhões. Eu ofereço a você agora. Se aceitar, hoje mesmo alguém acorda com a idéia na cabeça. Em uma semana, já teria um alfabeto formado. Em 10 anos toda sua cria falaria o mesmo idioma e escreveria a mesma língua. Em 100 anos, nada poderia varrer sua cria, a não ser uma catástrofe. E nós não permitiríamos isso não é querida?

- E você me oferta assim? Sem mas, sem luta, sem custo?

- Sim, acho que seus filhos têm potencial. O conhecimento que eles proverão será inestimável. Apenas isso que eu peço, conhecimento.

Tanna-Toh estende um pequeno orbe à deusa desconfiada. Dentro, milhões de caracteres passeiam brilhantes.

- Aceite querida e faça bom uso dela.

Apanhando o orbe, Valkaria se despede sem a menor cerimônia.

Sozinha à mesinha vazia, Tanna-Toh junta as mãos. Fora perfeito. Agora moveria as próximas pedras, faria a próxima jogada.
Outros aguardavam sua visita.

sábado, 21 de março de 2009

Nereus - O UniCórneo




Em uma bela casa em Tapista um grito de dor é acompanhado do choro de uma criança. Gaia, devota de Allihanna, acaba de dar a luz a seu primeiro filho, e a dor do parto é demais para que permaneça consciente.
- Nereus! Meu filho!
Pontus é um minotauro muito grande e forte, e proporcionalmente orgulhoso. Desde jovem fora marinheiro sob a guarda naval patrulhando os mares e realizando missões em nome de Tapista. Por sua força e determinação chegou a ser capitão de seu proprio navio, e fez seu nome perante o Princeps até sua aposentadoria. Se tornou mercador por não conseguir viver longe do mar e, para continuar a inflamar seu orgulho e força, negociava escravos.
Gaia havia sido capturada juntamente com a druida que a ensinava os caminhos de Allihanna. A druida fora vendida, e Gaia se tornou escrava de Pontus.
Ajudando no parto havia um escravo, um clérigo de uma divindade fraca e desconhecida que ele chamava pelo nome de Lecanone, e que Pontus havia comprado a pouco tempo. Ele era muito prestativo e estava se mostrando cada vez mais útil, apesar do baixo preço a que foi comprado.
- Isso sim que é criança! Olha o tamanho desse filho da puta! Quase arregaça toda minha mulher!
- Sim senhor, não sei o que seria dela se eu não estivesse aqui, nunca vi um bebê tão grande!
- HA! Olhe! Puxou ao pai! Acabou de nascer e já tem o caralho maior que o seu!
- Erm... Claro senhor...
Nereus era mesmo maior que o normal. Minotauros são grandes e fortes por natureza, ele era simplesmente maior e mais forte. Conforme crescia e essa vantagem se tornava mais aparente, Pontus iniciou um treinamento intensivo com seu filho na arte do combate a fim de aproveitar sua força à maneira de Tauron.
Enquanto isso, sem a menor suspeita de Pontus, Daelan, o clérigo escravo, arquitetava seus planos. Era na verdade clérigo de Hynnin, Ahleniano, e estava associado com Karovius, rival de Pontus e minotauro com muito menos escrúpulos. Com o passar dos anos, Daelan conseguiu fazer com que Pontus tivesse sérios problemas financeiros, e começasse a perder espaço para Karovius. Nereus ainda era novo, mas a situação de Pontus se tornou tão grave que não restava escolha, com apenas 14 anos(não sei o equivalente na idade minotaurica) Nereus lutaria como gladiador.
Apesar da idade seu tamanho compensava. Graças ao treinamento com seu pai, ja possuia músculos de guerreiro e seu manejo das armas não era mal. Lutava com facilidade, e vencia da mesma forma.
Começou a ficar conhecido, seu nome começava a ecoar nos infindáveis corredores de Tapista e o orgulho de Pontus começava a se recuperar.
Mas os planos de Daelan não haviam se finalizado. No dia da final de uma grande competição, Nereus recebeu uma terrivel notícia a respeito de seu pai. Seu orgulho estava ferido, seu nome destruído e sua honra manchada. O mensageiro lhe convenceu de que deveria fugir, de que seu pai queria que ele tivesse uma chance de fazer o proprio nome em Arton, sem a macula que Pontus trouxe para sua familia. Com gestos e palavras estranhas Nereus foi transportado para um descampado de encontro a uma armadilha. Um grupo de 8 homens armados estava a sua espera, e atacaram. Nereus era inexperiente em combates fora da arena, e suas arma e roupas não eram ideais pra esses adversários. Lutou bravamente, até mais do que se poderia esperar dele, mas foi derrotado.
Acordou em uma cama de pedra, em um comodo simples, apenas um quarto com uma porta fechada. Se levandou devagar sentindo as feridas por baixo dos curativos e sentiu uma forte dor no lado esquerdo da cabeça, estendeu a mão esperando sentir o ferimento que lhe causava tal dor e o que descobriu foi sem precedentes. Um de seus chifres havia sido cortado! O chifre esquerdo havia sido removido quase pela base, deixando apenas um cotoco de superficie lisa no lugar. Seu desamparo foi terrivel. O que haveria de acontecer com ele agora? Fora enganado, não fazia idéia de onde estava, seu nome desonrado e agora isso! Desabou novamente e, esbravejando contra Tauron começou a chorar. Ficou assim durante alguns minutos até se recompor. Resolveu seguir em frente, descobrir ao menos onde estava. A construção era uma casa de pedra de um andar, espaçosa e curiosamente confortável. Conforme se aprofundou nos aposentos começou a ouvir um som repetitivo, metal contra metal, um martelar incessante. Seguindo o barulho, saiu da casa e se deparou com uma forja a céu aberto. Em seu interior se encontrava um anão trabalhando compenetradamente.
Descobriu que seu nome era Gondir, voltava em uma caravana de uma viagem longa, desde Valkaria quando passaram pelo enorme corpo estirado no chão. Percebeu o movimento de sua respiração e colocou seu corpo em uma das carroças mais vazias. Cuidou de seus ferimentos durante a viagem até chegar aqui. Ficara desacordado por 4 dias. Soube enfim que se encontrava em Zhakarov, e após um tempo de explicação entendeu o quão distante ficava de casa.
Passou um tempo se recuperando na casa de Gondir, e durante esse tempo começaram a se conhecer.
Se deram bem desde o principio. Gondir entendia muito de armas, e parecia ser experiente na batalha também. Nereus aprendia ávidamente com a experiencia de Gondir, e se interessava cada vez mais por suas histórias. Descobriu o que era um aventureiro, e soube dos perigos do mundo. Gondir por sua vez se intrigava pela historia do jovem minotauro, se condoeu de sua situação, mas também estava impressionado com o tamanho e força do rapaz. Nereus acabou ficando, ajudando Gondir nas tarefas de ferreiro e em troca aprendia o manejo das armas e as tecnicas de combate do anão.
Anos se passaram e Nereus já havia aprendido o que Gondir estava disposto a ensinar. Havia um tempo se acostumou com a idéia de que teria que viajar, encontrar o caminho de casa para descobrir o que havia acontecido com seu pai. Entretanto tinha medo da verdade e já haviam se passado muitos anos, atrasava sua partida. Até um dia em que Gondir lhe disse que deveria partir em breve, mas que antes ele queria testar uma coisa.
- Presenciei seu aprendizado em combate, e vi sua impressionante facilidade no manejo das armas. Nunca vi alguem conseguir utilizar com tanta facilidade armas que seriam grandes demais para uma pessoa comum empunhar com apenas uma mão, mas você conseguiu. Claro que seu tamanho não é comum, isso facilita as coisas mas... Mesmo assim, tenho um ultimo treinamento com você, e será para mim um teste e um agrado.
Entregou nas mãos de Nereus duas armas de tamanho descomunal, uma maça e um malho.
Treinaram durante semanas o combate nessas armas, e quando Gondir julgou que estava pronto disse:
- Essas armas eu trouxe de Valkaria na viagem que te encontrei. Um presente de um amigo na esperança que eu conseguisse reproduzir. Provavelmente pertenceu à alguém que ele derrotou. Espero que você se torne mais habilidoso com elas do que seu antigo dono.
E se despediu.
E assim partiu Nereus, rumo ao sul, numa viagem sem grandes esperanças de chegar ao final.

Aurora Carmesim - Prólogos, parte 2

Ano 0

A floresta parecia interminável e ainda àquela hora fervia de vida. De pé no alto de uma colina, ele observa o horizonte azul-turquesa. A praia intocada espuma uma fina faixa branca que contrasta com o amarelo vivo da areia. Um a um, pontos negros surgem no horizonte. Ele fecha os olhos e sente. Pode perceber cada um de seus filhos, cada movimento, cada atividade. Ainda engatinhavam como povo, como seres pensantes. Reabrindo ele assusta-se com a repentina proximidade dos agora não mais pontos e sim navios. Grandes, belos e apinhados de vida, como a floresta.
O que seriam esses seres? De onde vieram? O que queriam em suas terras? Afinal, eles já habitavam essa terra a pouco mais de 100 mil anos, podia sim chamar de sua terra.
Forçando os músculos e espremendo a distância ele se aproxima da praia e observa. São criaturas altas, esguias, frágeis. Falam uma língua estranha, se movem com trejeitos leves e delicados. Então, eis que acontece. Alguns deles se aproximam das árvores e sussurram. Alguns instantes depois elas simplesmente cedem passagem, como em reverência. O que eram aquelas coisas?

Por semanas ele acompanhou toda sua movimentação, mantendo seus filhos longe. Eram capazes de atos poderosos aqueles seres. Torciam a realidade a seu bel prazer, moldando o solo, as rochas, as árvores. Encolhendo e expandindo coisas, fazendo outros como eles voar. Modificando a floresta permanentemente. Não eram uma exploração, vieram colonizar. E ele tomara uma decisão.

Era noite quando sua voz se elevou entres as árvores. O chamado. Todos viriam, todos atenderiam a seu criador, Ragnar.
A muitos quilômetros da nova cidade eles se reuniram para ouvir seu pai, seu deus. Ele tinha idéias, vontades, desejos que não seriam alcançados por suas mentes primitivas mas seriam sentidos no coração. Contato, aprendizado, conhecimento e ele ofereceria experiência, caminhos, saber. Esse seria o ponto chave para que seus filhos evoluíssem de vez e saíssem das tocas.

Era uma tarde abafada quando eles se aproximaram. Organizados em pouco mais de um ajuntamento, um aglomerado. Selvagens, barulhentos, sujos. Uma pequena horda, um pequeno pandemônio.
De longe, Ragnar notou o tamanho da cidade. Crescia rápido como uma erva daninha e forte como um carvalho. Tinha que admitir, era linda. Aquele povo teria tanto a ensinar, tanto a contribuir. O orgulho crescia a cada passo de sua legião de rotos.

Mas algo deu errado.

Uma trombeta com um tom maledicente ecoou por toda floresta. Até mesmo os goblinóides se calaram. Despontando aqui e ali ele começou a divisar arcos, espadas, gestos. Antes de conseguir se concentrar para sequer avisar seus filhos, o massacre havia começado. Estrelas mortais riscavam o espaço derrubando tudo o que tocavam. Mulheres, crianças, velhos e homens. Surgindo de dentro das árvores muitos deles atacaram cortando, estocando e estripando. Em alguns instantes nada mais sobrara e o chão estava tingido de vermelho. Corpos estavam espalhados, alguns ainda emitindos sons agourentos, por uma vasta área de floresta. Era um campo de morte.
E aqueles rostos impassíveis, frios, sem qualquer vestígio de remorso. Não sabiam o que tinham feito? Quantos de seus filhos mataram? O que poderiam ser ou realizar em conjunto? Nem sequer ouviram, nem sequer tentaram.
Seu pesar subiu aos céus e se espalhou entre seus filhos. Toda uma raça estava de luto.

- Chateado?

Pergunta uma voz poderosa misturando zombaria e cinismo. Seu dono, um homem moreno queimado pelo sol trajando uma armadura vermelho sangue. Sua proximidade fazia algo queimar dentro de Ragnar.

- Quem é você miserável? Como se atreve a zombar do meu pesar?

Ele se levanta e ergue sua maça ameaçadoramente. Seria bom ter no que descontar a raiva, enfim.

- Vou partir sua cabeça homenzinho e espalhar seus miolos pela grama.

Uma gargalhada fria como aço ecoou pela floresta.

- Ah, mortais. Não sabe quem sou sua besta ignorante? Vou parti-lhe alguns ossos para que descubra, sua vadia goblinóide.

E atacou, socou e chutou Ragnar sem que ele mesmo se desse conta do que acontecia. Expôs alguns ossos, esmagou tripas e feriu órgãos. É, ele gostava mesmo disso. Passara dos limites, uma pena.
Abaixando na frente daquela massa de sangue e carne, explicou como se conversasse com uma planta:

- Eu sou Keenn, o deus da guerra. Aqueles viadinhos que mataram seu rebanho são elfos. Crias de Glórienn, deusa dos elfos. Pra eles, vocês são nada mais que animais selvagens. Nada mais que um incômodo. E tenho que confessar seu merda, eles têm razão.

Tocando o que era a face de Ragnar, imprimiu visões e memórias, conhecimentos e sentimentos sobre aquele povo, sobre aquela deusa. Fomentou vontades e lapidou desejos. Claro, a desinformação também é uma arma de guerra.
No espaço de uma respiração, Ragnar sabia tudo sobre os "elfos". Conhecia sua cultura, desprezava sua arrogância, sabia onde eram fortes e onde eram fracos. Algo queimava em seu peito, calcinando e destruindo tudo que lá houvera. Esquecera do toque em sua fronte, da presença ao seu lado. Seu mundo mudou.

Elevou seu olhos ao céu e pensou na deusa. Glórienn.

- Seus filhos vão queimar.

Foram as únicas palavras ditas por ele durante os 100 anos seguintes.

Em Werra, Keenn mexia displicente sua primeira peça, num lindo e intricado tabuleiro de xadrez.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Aurora Carmesim - Prólogos, parte 1

A pouco mais de 90 mil anos atrás.

Era um mundo exuberante, vasto, quase infinito aos olhos. O verde da grama sob seus pés complementava a miríade de cores da floresta. Tudo pulsava de energia, de confiança, de certeza. Cada partícula, cada folha de cada pé de grama exalava poder.
Caminhando em direção à floresta, ele deixa uma trilha de pegadas calcinadas no gramado. Mas aqui e agora, nem isso dura mais que alguns minutos.
Os sons inundam os ouvidos, as cores castigam seus olhos. Os aromas, a sensação do ar ao seu redor, tudo exprime um sentimento que arranha sua mente bem fundo. O infinito de possibilidades rivaliza apenas com a extensão da fúria que queima em seu interior.
Após alguns minutos (ou anos) ele avista civilização. Mas não no sentido humano da palavra. Ele avista algo que está perfeitamente uno com o meio. A simbiose perfeita. Aqui nada parece fora do lugar, nada parece mais ou menos. Perfeição.

O reino dos elfos parece intocável por conta da confiança dela, de sua força, e ele a admira por isso. Todos esses detalhes, poder em diversas formas. Parece-lhe a escolha perfeita.
Sem notar, seu caminho termina nos portões de uma grande árvore. Maior do que o tempo, mais poderosa que a vida. Pulsando com a ansiedade de abismar seu ilustre visitante.
Um fino raio de luz escapa por entre a frondosa copa e, encontrando sua armadura, os portões se abrem apenas com o brilho do que jaz ali dentro. O metal tilinta ecoando seu lamento agourento através dos corredores intermináveis.

Floreios artísticos, quadros quase vivos, música palpável, toda sorte de arte povoam os corredores que levam a ela. Um asco crescente invade seu ser e tudo perde a cor, parecendo um borrão cinza no meio de uma aquarela.
Finalmente ela permite que ele a encontre pondo sua sala do trono em seu caminho. Toda aquela demonstração ostensiva deveria servir para dissuadí-lo de qualquer idéia tola. Bastaria para conter seu ímpeto destrutivo.

- Olá minha rainha, obrigado por me receber.

Tomada de sopetão pela súbita demonstração de humildade, ela responde, afiada feito navalha:

- Diga a que veio besta de guerra. O que quer em meus domínios?

- Eu Keenn, o deus da guerra, desejo algo que você vai me dar.

- O que quer que deseje, não terá de mim. Glórienn não se curva a ninguém.

Caminhando pelo salão improvável ele tenta aproximar-se dela. Tão delicada, tão selvagem. A cada instante ele se convencia mais e mais de que ela era perfeita.

- Como sabes rainha, mesmo sendo um deus eu não fui agraciado com o dom da criação. Kallyadranoch, Allihanna, Megalokk, Tu, Wynna, Valkaria. Todos capazes, todos pais. Até mesmo Khalmyr encontrou um meio. Deuses menores puderam e eu falho. Guardo em meu sangue apenas a destruição. Apenas o fim. Agora mesmo enquanto falamos, aquele bucéfalo asqueroso concebe seu povo à sua semelhança. Mas eu não.

Encolhendo o espaço entre eles Keenn pode sentir sua respiração, saber que não está funcionando. E nem esperava que fosse. A pena não estava presente ali e ele adorava isso. Era hora de apelar, apostar tudo e tentá-la.

- Seus filhos foram um dos primeiros seres inteligentes de Arton e perduram até hoje. Sobre tudo e todos. Superiores como raça, rivalizando apenas com as crias de Kallyadranoch. Reis dentre vermes. Mas vim aqui te oferecer mais. Vim lhe propor aliança, cumplicidade. Vim te propor o futuro. Conceba comigo a raça que dominará Arton sobre todas as coisas. Seja minha apenas uma vez e domine comigo eternamente! Posso te fazer mais poderosa que jamais foi!

O céu escureceu como se coberto de luto. No rosto impassível de Glórienn, apenas um esgar de sorriso. Keenn sentia o coração martelar antevendo o que viria. Violência. Ele amava isso.

- Como ousa sugerir que preciso de você pra ser perfeita e dominante? Meus filhos perdurarão para sempre. Estavam lá antes e estarão lá depois. Sou o príncipio e o fim.

Enquanto falava, Keenn tinha a impressão de que cada letra, cada pequeno som transmutava o ambiente e a deusa. O grande salão havia dado espaço a uma planície tempestuosa. As belas vestes de luz moldara-se em algo feito de ira e poder. Em suas mãos, espadas. Em seu olhar, morte.
Keenn estala o pescoço. Em suas mãos uma espada e um machado. Em seu rosto um prazer quase sexual. Olhava ansioso e mal conseguiu falar.

-Eu tentei ser cortês e fazer as coisas do jeito fácil. Mas você não quis. Nããão, a grande dama élfica de merda preferiu ser orgulhosa feito uma cadela. Vou arrebentar essa sua cara linda e foder seu corpo quebrado até você me dar um filho. Aparência de dama, gosto de puta. Eu vou adorar isso miserável.

De repente tempo e espaço deixam de fazer sentido. A cada movimento daquele turbilhão de violência criaturas deixam de existir. Sonhos nascem e morrem. Idéias e possibilidades atravessam os planos em todas as direções. Fúria, ódio, raiva e orgulho mancham a grama. No sim, uma silhueta permanece de pé e sua voz ressoa através da criação.

- Meus filhos nunca se curvarão a você criatura vil. Lutaremos apenas o bom combate e ainda assim, seremos superiores. Nunca realizará suas ambições. Nunca será criador. Eu me lembrarei desse dia por toda a eternindade e meus filhos levarão minha ira até você. Além do tempo, além da morte, além da criação.

Alquebrado, sangrando feito um porco, Keenn reúne forças e cospe, matando uma parte do reino com sua ira.

- Guarde minhas palavras vagabunda. Seus filhos vão queimar.

Com um pensamento Keenn volta pra casa e Werra treme como nunca. Seu plano jamais seria o mesmo. Planos precisam ser traçados e alianças fomentadas. Ele adorava o gosto ferruginoso da vingança.

quarta-feira, 11 de março de 2009

segunda-feira, 9 de março de 2009

Missões de honra




Era uma manhã calma em Nitamu-ra, o bairro oriental de Valkaria. Azgher acabara de nascer num céu muito azul e sem nuvens quando Togashi Kinsen acompanhado de seu filho atravessaram a ponte vermelha sobre um lago cheio de carpas em um dos belos parques do bairro. Era primavera e as belas cerejeiras em flor espalhavam pétalas por todo o jardim. Quando chegaram ao centro da ponte, o mestre parou e seu pupilo parou logo atrás. Olharam-se durantes alguns segundos até que o silêncio foi interrompido pelo mais velho.

- Nosso senhor o Daymio Shiro Nomatsu precisa vê-lo. Ele tem uma missão para você.

Togashi Matsumoto inclinou seu corpo em cumprimento ao seu mestre e pai e assentiu. Mas sua cabeça estava em ebulição. Tantos anos haviam se passado em que ele somente ficou em Nitamu-ra para a proteção da população local e assim de repente o próprio Sumo-Sacerdote do Deus-Dragão lhe passaria uma missão? Seria essa uma missão sagrada? Não cabia a ele escolher, era seu dever aceitar.

O templo em estilo tamuraniano possuía quatro andares, era um dos prédios que havia sido transportado magicamente pelo imperador quando Tamu-ra fora invadida pelos demônios da tormenta. Togashi Matsumoto tirou os calçados antes de pisar no templo e adentrou a grande sala onde estava o Daymio. Inclinou-se em cumprimento. Foi cumprimentado em troca.

- Depois de anos cumprindo missões menores aqui em Nitamu-ra – Falou o Sumo-Sacerdote em sua língua quadrada – Você irá cumprir uma missão maior para defesa da honra de seu povo Togashi. Um criminoso sem rosto matou um de nossos mais sábios sacerdotes e está à solta. Conseguimos pistas dele no reino de Bielefeld. Tenho um contato lá e você irá procurá-lo. Quero-o para que pague pelos seus erros sob nossas leis e a justiça de nossa divindade. O grande Deus-Dragão o quer para seu próprio julgamento. Você irá capturá-lo e julgá-lo.
E assim ele fez.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Sir Lothar Orselen, O Javali de Bedivere.




Fazia um sol escaldante em Tapista. O grande homem de 1,95m de altura olhava o horizonte numa varanda da arena dos gladiadores. Seu novo senhor, Golias, havia lhe informado que lutaria com Gerontius Cornelius III, um clérigo de Tauron. Augustus lhe aconselhara cuidado, pois o minotauro era muito forte.

Pouco importava a força de seu inimigo: havia falhado com Bruenor, com a Ordem da Luz e com Khalmyr. Olhava sempre para frente, deveria ganhar a liberdade de forma honrada, pouco importando a força de seu adversário. Tamanha era sua determinação que nem notara que seus cabelos haviam crescido bastante e que a sua barba já pedia a muito para ser aparada.

Faltavam ainda algumas horas pro derradeiro combate e Allieny veio ver o gladiador, como começou a fazer freqüentemente, quando ficou sabendo que lhe faltavam poucas lutas para ganhar a liberdade.

- Lothar... Já esta ficando fácil encontrá-lo por aqui. Quase nunca desgruda desta varada.

- A brisa do mar alivia muito de meus tormentos, senhora. Não só ela, como também sua companhia.

Houve silêncio. Lothar olhou por alguns segundos nos olhos de Allieny, mas depois dirigiu seu rosto para o mar. Allieny respondeu o gesto do guerreiro com um meneio e timidez.

Quando o vento parou, Allieny quebrou o silêcio:

- Lothar, diga-me: porque tens um javali e um dragão desenhados nos seus ombros?

- O Javali representa meu passado; o Dragão azul de Bedivere representa o que me tornei e que, hoje em dia, não sou mais. Mas pretendo voltar a ser, se Khalmyr ainda fizer bom juízo de mim.

Lothar parou de falar neste instante. Allieny ainda olhava para ele, como uma criança prestes a escutar uma história fabulosa.

Então o gladiador continua:

- Nasci de uma família humilde, senhora. Minha mãe, Sabine Orselen, era uma simples tecelã, enquanto que meu pai, Dirt Orselen, era um líder comunitário, criador de porcos. Eles viviam numa pequena fazenda, segundo me disseram.

- Não conheceu seus pais, Lothar?

- Não, não pude ter a honra de conviver com eles. Meu país estava em guerra com outro; morávamos na fronteira entre os reinos. Houve um ataque e o dono das terras de onde vivemos acovardou-se, deixando os camponeses e soldados à própria sorte. Fui salvo porque outro homem, conhecido como Dragão viviamos, defendeu nosso lar como se seu fosse. Seu nome é Bruenor de  Bedivere. 

- Após o ataque, Bruenor viu-me nos braços de minha mãe, já morta. Deste dia em diante, ele decidiu que me criaria e que um dia eu o serviria como um escudeiro... Pois bem, o Javali é em honra ao meu pai, que criava porcos. Bruenor achou que não seria elegante, e não seria mesmo, que eu fosse um porco...

[risos]

- E depois, Allieny, o Javali representa, em certa parte, a evolução de minha família. De caça a caçador, algo neste sentido.. Os clérigos de Khalmyr tentaram me explicar esse enigmático sentido, mas nunca fui muito atento...

- E o Dragão seria então em homenagem a Bruenor, Lothar?

- Exatamente. Mas não só isso. Bruenor recebeu a alcunha de Dragão de azul, pois ele não queria participar de um conflito no limiar do ano novo. Segundo ele, aquele ano deveria terminar de forma diferente para que diferente fosse o próximo.

- Como isso é possível? A guerra sempre envolve ferimentos e morte, não é possível...

- Allieny, Bruenor fez o que chamamos de muralha de escudos. Seus homens foram cercados e resistiram por horas e horas. Quando os mercenários estavam cansados, Bruenor propôs um acordo de paz em função do ano novo. Então, os inimigos comemoram o ano novo com festa. E ambos perguntaram-se o porquê de estarem se matando, se podiam conviver em paz. Deste dia em dia, Bruenor começou a repensar suas ideologias, inclusive relativizando os conceitos de barbarismo e civilização.

- Mas porque o Dragao Azul?

- Defesa e luta.

- Bom... Então eu cresci ao lado de Bruenor e sua mulher, Lissa. Ambos me tratavam como filho, e estavam felizes, pois nascera Valahad, seu filho de sangue. Infelizmente, as clérigas de Lena donde eu vivia constataram que Lissa não poderia mais ter filhos. Contudo, ambos estavam felizes com sua prole.

- Cresci ao lado de Valahad como um irmão. Claro que ele tinha como destino a cavalaria e eu seria um escudeiro por muito tempo e depois, quem sabe, um soldado de honra. Eu o chamava de escudeiro pederasta, em virtude das várias pompas que ele tinha...

- Ele não tinha ciúmes de você, Lothar?

- Não... Embora tivéssemos sido criados pela mesma família, ele era o cavaleiro e eu o escudeiro. Mas nunca reclamei, agradeço a Khalmyr por ter sobrevivido e ter oportunidade de orgulhar minha família, esteja ela onde estiver. Todavia, Valahad sempre fez questão que eu desfrutasse de tudo que ele desfrutava. Lembro-me de como consegui Aruel...

- Aruel?

- Sim, um grande corcel de batalha. O maior dos cavalos de Bedivere e o mais violento. Negro como a noite. Valahad o havia domado. Contudo, como eu era maior que ele, Valahad ofereceu-me o grande animal. Disse que combinaria mais comigo do que com ele... No fundo, ele desejava que eu fosse realmente seu irmão de sangue e que tivesse direito a tudo que ele tem...

Depois de algum tempo de reflexão, Allieny, de novo, quebra o silêncio.

- E então, Lothar, o que aconteceu?

- As coisas mudaram. Ele abandonou todas as tradições para trilhar um caminho sem volta. Depois disso, tornei-me...

Neste momento, Augustus grita:

- Lothar, venha! É sua vez de morrer!! Hahaha!

- Bom Allieny, outro dia termino a história.

- Não se machuque muito, hein!

- Com uma clériga de Lena assistindo, essa não é a maior das minhas preocupações.

Seguiu, pensando sobre seu fracasso e sobre como faria para retornar a Bielefeld e retomar seu posto...

Defesa e luta.



terça-feira, 3 de março de 2009

Lendas Antigas #1

A arte de Zizoo, nosso segundo amigo exilado.
Lembro dessa cena, apesar de não lembrar da sessão. Foi muito bizarro.
Rhull, o Senhor dos Massacres! AHAHAHAHAHAHAHHA

domingo, 1 de março de 2009

Crônicas Artonianas #35 - Peleannor


A fraca iluminação da sala vinda de algumas velas era o suficiente para ele. Uma taça de vinho, vazia, jazia deitada sobre a enorme mesa de madeira. Ele estava sentado numa cadeira confortável, feita de madeira e veludo fino. Sua cabeça estava atirada sobre os vários pergaminhos e livros abertos e empoeirados. Quando sentiu algo em sua alma. Abriu os olhos rapidamente e ergueu-se num susto. A embriaguez ainda fazia seu efeito deixando-o um pouco anestesiado. Mas a dor das lembranças logo o atormentaram. Sentiu uma profunda tristeza que o álcool não podia anestesiar. Uma lágrima furtiva desceu em sua face élfica.

Hitsugaya Roki era um tamuraniano versado nas artes arcanas, estudava na Academia Arcana, com autorização do Daimyo e havia feito uma amizade improvável com o elfo Peleannor. Um era calado e muito disciplinado. A honra era um peso que limitava seus conceitos, pensava o elfo. Peleannor, pelo contrário, encontrava prazer nas simples e rápidas coisas da vida da vida humana. Uma forma de enterrar o passado de Lenórienn. Os dois eram amigos fazia cinco anos ea súbita perda de seu amigo despertou Peleannor para a vida. Estava enfurnado em sua torre em Fortuna fazia meses e não evoluira em nada com seus estudos.

Alguma coisa havia de ser feita. Pegou o pergaminho que contia os encantos mágicos que faziam os dois amigos se comunicarem. Havia uma ligação entre os dois, uma amizade que a magia arcana contribuia para manter viva. Agora, Histugaya Roki havia morrido e Peleannor queria saber de tudo. Fez seus experimentos, contatou aliados no Reino da Boa Sorte. Passou meses investigando, pesquisando, estudando sobre o assunto. Descobriu sobre a Sétima Lâmina de Keenn. Descobriu sobre seus aliados. Descobriu sobre seu intrincado ritual que envolvia algumas jóias, um cajado de osso e uma menina khubariana. E desconfiou.

***

- Talvez eu possa ajudar nisso.

Peleannor tinha um sorriso, no mínimo, inadequado à situação. Estava preso ao chão por uma bota pesada e sentia o frio do metal da ponta da espada sobre seu pescoço. Ele estava em algum bosque de Petrynia e havia feito contato com a Sétima Lâmina de Keenn. Soube que Iqmar Strongfeet, o halfling da guerra e Quarta Lâmina de Keenn, estava pesquisando a veracidade do ritual com magos errantes do Reino das Histórias. Peleannor imaginou que o halfling fosse aberto ao diálogo, que os instintos raciais falassem mais alto que a selvageria de sua fé. Peleannor até estava certo, mas não esperava que Iqmar estivesse com um aliado, ou melhor, um superior. A bota e a espada pertenciam à Valahad de Bedivere, a Terceira Lâmina de Keenn.

- Keenn não precisa de derrotados para nos ajudar. - Foi a resposta ríspida do bielefeldiano.

- Senhor, podemos saber se ele está mentindo. Se ele estiver de boa vontade, poderá nos ajudar mais que esses magos que intimidamos anteriormente. - Disse Iqmar. Sua postura de nada lembrava um guerreiro violento.

- Faça o milagre, então. Se ele estiver mentindo, será morto. - Valahad segurou Peleannor pelo braço e o ergueo do chão. Segurando seu outro braço o fez arquear a coluna. Sabia que, para um mago, os braços eram fundamentais para conjurar magias. Iqmar fez o milagre e sentiu a boa vontade de Peleannor pois ele sequer resistiu. Descobriu sobre sua bondade também.

- Meu senhor, ele diz a verdade. Quer nos ajudar porque possui uma boa alma e descobriu sobre antigos companheiros de um amigo morto. São os Desafiadores do Destino. A menina khubariana é irmã do guerreiro deles.- Revelou Iqmar.

- Sim, meus caros senhores. Venho aqui para prestar meus serviços a vós porque minha intuição diz que a gloriosa Sétima Lâmina de Keenn está sendo enganada. - o tom irônico de Peleannor quase desapercebido, palavras que beiravam à ofensa.

- Os Desafiadores não são problema. Em breve enfrentarão Peter Burke e não sairão vivos. Muito bem, elfo. Nos ajude. Saiba que Keenn está de olho em suas ações e basta um passo em falso para que comece a sangrar como um porco no espeto. - Sentenciou Valahad de Bedivere e os trabalhos começaram.

Os estudos avançavam bem quando Iqmar recebeu ordens de Eric Hobsbawm, a Primeira Lâmina, para viajar para Ahlen, por solicitação de Peter Burke. Aparentemente, os Desafiadores do Destino seriam derrotados em breve, mas não seriam mortos. A Ordem precisava de dinheiro e a venda como escravos era uma das melhores formas de se arrecadar dinheiro. Iqmar conhecia um mago que poderia falsificar documentos, levá-los por magia de Ahlen à Tapista. Peleannor e Valahad ficaram sozinhos por semanas, até que algo foi descoberto.

- Viu só? Minha intuição se provara conclusiva! - Disse Peleannor, suspirando de cansaço, bebendo mais vinho. Valahad estava firme, com sua armadura, com armas sobre o elfo. Era todo dever. De fato, o ritual estava errado. As jóias e o símbolo sagrado de Azgher serviriam como meios profanos para criar um receptáculo de poder. Poder necromântico. A essa altura Peleannor já sabia quem era a aliada da Sétima Lâmina de Keenn: Ilker, a medusa das trevas. Peleannor, então, deduziu que ela queria fazer uma filacteria. Queria se tornar uma lich.

- Mas e a menina? E o cajado? São inúteis, então.

- Não, meu senhor. Apesar da khubariana não ser a reencarnação daquele que vocês queriam trazer de volta, ela serviria para um ritual de sacrifício, para libertar algum demônio das profundezas do inferno que seria aliado de Ilker. O cajado, bem. Isso é história mais antiga ainda. Não tenho como saber. Talvez os Desafiadores do Destino saibam.

- Chega. É suficiente. Agora vá embora.

- Nenhuma recompensa, milorde? - Claro tom de sarcasmo.

- Ora, seu... - Valahad pôs suas mãos no enorme mangual que jazia sobre uma mesa. Peleannor deu passos para trás e conjurou sua magia. Gargalhou com entusiasmo e sumiu.

***

De volta à sua torre, em Petrynia, Peleannor percebeu que os Desafiadores não estavam completos. Soube que haviam sido vendidos como escravos para Tapista, mas faltava alguém. Um humano que havia insultado sua irmã, muito meses atrás, em Valkaria. Sorriu com satisfação. Conjurou uma magia, capturou um grifo para impressionar. Fechou sua torre e partiu para Fortuna...

O resto, é história.