sábado, 21 de março de 2009

Aurora Carmesim - Prólogos, parte 2

Ano 0

A floresta parecia interminável e ainda àquela hora fervia de vida. De pé no alto de uma colina, ele observa o horizonte azul-turquesa. A praia intocada espuma uma fina faixa branca que contrasta com o amarelo vivo da areia. Um a um, pontos negros surgem no horizonte. Ele fecha os olhos e sente. Pode perceber cada um de seus filhos, cada movimento, cada atividade. Ainda engatinhavam como povo, como seres pensantes. Reabrindo ele assusta-se com a repentina proximidade dos agora não mais pontos e sim navios. Grandes, belos e apinhados de vida, como a floresta.
O que seriam esses seres? De onde vieram? O que queriam em suas terras? Afinal, eles já habitavam essa terra a pouco mais de 100 mil anos, podia sim chamar de sua terra.
Forçando os músculos e espremendo a distância ele se aproxima da praia e observa. São criaturas altas, esguias, frágeis. Falam uma língua estranha, se movem com trejeitos leves e delicados. Então, eis que acontece. Alguns deles se aproximam das árvores e sussurram. Alguns instantes depois elas simplesmente cedem passagem, como em reverência. O que eram aquelas coisas?

Por semanas ele acompanhou toda sua movimentação, mantendo seus filhos longe. Eram capazes de atos poderosos aqueles seres. Torciam a realidade a seu bel prazer, moldando o solo, as rochas, as árvores. Encolhendo e expandindo coisas, fazendo outros como eles voar. Modificando a floresta permanentemente. Não eram uma exploração, vieram colonizar. E ele tomara uma decisão.

Era noite quando sua voz se elevou entres as árvores. O chamado. Todos viriam, todos atenderiam a seu criador, Ragnar.
A muitos quilômetros da nova cidade eles se reuniram para ouvir seu pai, seu deus. Ele tinha idéias, vontades, desejos que não seriam alcançados por suas mentes primitivas mas seriam sentidos no coração. Contato, aprendizado, conhecimento e ele ofereceria experiência, caminhos, saber. Esse seria o ponto chave para que seus filhos evoluíssem de vez e saíssem das tocas.

Era uma tarde abafada quando eles se aproximaram. Organizados em pouco mais de um ajuntamento, um aglomerado. Selvagens, barulhentos, sujos. Uma pequena horda, um pequeno pandemônio.
De longe, Ragnar notou o tamanho da cidade. Crescia rápido como uma erva daninha e forte como um carvalho. Tinha que admitir, era linda. Aquele povo teria tanto a ensinar, tanto a contribuir. O orgulho crescia a cada passo de sua legião de rotos.

Mas algo deu errado.

Uma trombeta com um tom maledicente ecoou por toda floresta. Até mesmo os goblinóides se calaram. Despontando aqui e ali ele começou a divisar arcos, espadas, gestos. Antes de conseguir se concentrar para sequer avisar seus filhos, o massacre havia começado. Estrelas mortais riscavam o espaço derrubando tudo o que tocavam. Mulheres, crianças, velhos e homens. Surgindo de dentro das árvores muitos deles atacaram cortando, estocando e estripando. Em alguns instantes nada mais sobrara e o chão estava tingido de vermelho. Corpos estavam espalhados, alguns ainda emitindos sons agourentos, por uma vasta área de floresta. Era um campo de morte.
E aqueles rostos impassíveis, frios, sem qualquer vestígio de remorso. Não sabiam o que tinham feito? Quantos de seus filhos mataram? O que poderiam ser ou realizar em conjunto? Nem sequer ouviram, nem sequer tentaram.
Seu pesar subiu aos céus e se espalhou entre seus filhos. Toda uma raça estava de luto.

- Chateado?

Pergunta uma voz poderosa misturando zombaria e cinismo. Seu dono, um homem moreno queimado pelo sol trajando uma armadura vermelho sangue. Sua proximidade fazia algo queimar dentro de Ragnar.

- Quem é você miserável? Como se atreve a zombar do meu pesar?

Ele se levanta e ergue sua maça ameaçadoramente. Seria bom ter no que descontar a raiva, enfim.

- Vou partir sua cabeça homenzinho e espalhar seus miolos pela grama.

Uma gargalhada fria como aço ecoou pela floresta.

- Ah, mortais. Não sabe quem sou sua besta ignorante? Vou parti-lhe alguns ossos para que descubra, sua vadia goblinóide.

E atacou, socou e chutou Ragnar sem que ele mesmo se desse conta do que acontecia. Expôs alguns ossos, esmagou tripas e feriu órgãos. É, ele gostava mesmo disso. Passara dos limites, uma pena.
Abaixando na frente daquela massa de sangue e carne, explicou como se conversasse com uma planta:

- Eu sou Keenn, o deus da guerra. Aqueles viadinhos que mataram seu rebanho são elfos. Crias de Glórienn, deusa dos elfos. Pra eles, vocês são nada mais que animais selvagens. Nada mais que um incômodo. E tenho que confessar seu merda, eles têm razão.

Tocando o que era a face de Ragnar, imprimiu visões e memórias, conhecimentos e sentimentos sobre aquele povo, sobre aquela deusa. Fomentou vontades e lapidou desejos. Claro, a desinformação também é uma arma de guerra.
No espaço de uma respiração, Ragnar sabia tudo sobre os "elfos". Conhecia sua cultura, desprezava sua arrogância, sabia onde eram fortes e onde eram fracos. Algo queimava em seu peito, calcinando e destruindo tudo que lá houvera. Esquecera do toque em sua fronte, da presença ao seu lado. Seu mundo mudou.

Elevou seu olhos ao céu e pensou na deusa. Glórienn.

- Seus filhos vão queimar.

Foram as únicas palavras ditas por ele durante os 100 anos seguintes.

Em Werra, Keenn mexia displicente sua primeira peça, num lindo e intricado tabuleiro de xadrez.

4 comentários:

Aldenor disse...

Hehehehe... muito interessante essa visão. E faz todo o sentido.
Gostei.

R-E-N-A-T-O disse...

Bommmm.... Ragnar vingou-se! Tadinho dos elfos, mimimimi


Daniel! Te mandei um e-mail pro n0strinh0@hotmail.com !! Responde lá!

Marins disse...

interessante mesmo

Capuccino disse...

Tio Ragnar se fufu =p ^^