domingo, 29 de março de 2009

Aurora Carmesim - Prólogos, parte 4


Ano 100

Hostil.

Essa era uma definição sucinta para a visão que enchia os olhos poderosos da deusa. Nunca havia imaginado adentrar seu desolado território. Mas já não era hora de conjecturas. Vira que seu plano, traçado intricadamente, falhara. Havia sim a possibilidade, mesmo que remota, do caos de Valkaria mudar tudo. E mudara. Ela não levara a escrita à sua nova criação e a dera apenas aos seus filhos artonianos.

Tanna-Toh não tinha tempo de recalcular a equação e reavaliar suas opções. Muita coisa precisava ser feita e mais uma decisão difícil precisava ser tomada. Mas ela precisava saber de algumas coisas antes de agir e apenas ele poderia lhe dizer, memso que com enigmas e frases desconexas. Aquele que vê através do tempo e acima da lógica. Thyatis.
Ela caminhou pelo que pareceram dias numa estrada calcinada através de uma paisagem crestada. O fogo imperava exultando o aspecto mais visível de seu deus. Uma grande montanha era sempre visível no horizonte porém nunca se aproximava. Por que ele protelava? O que causava aquela hesitação a seu encontro? O que ele sabia e que estaria fazendo antes de vê-la?

A figura decrepta estacou na estrada, perdida em perguntas e possibilidades. A velha mãe da palavra nem notou a passagem dos dias a sua volta assim como a figura que se aproximava flamejante contra o céu rubro. Ele viera a seu encontro.

- Olá senhora do conhecimento - bradou com sua voz poderosa a grande fênix no céu. Voava em círculos cada vez mais baixos, reduzindo a altura e seu tamanho gradativamente. Pousou ante a deusa, pouco maior que um carvalho. A chamas que emanavam de seu corpo eram quentes como o sol, mas ela sequer notara o calor.

- Olá Thyatis. Sabe o motivo de minha vinda?

- Quem seria eu se não soubesse? O futuro é claro como o dia ante meus olhos poderosos. Eu vejo através do tempo. Foi e sempre será assim.

- Então imagino que nossa conversa acabou. Já sabe as perguntas que serão feitas, por isso poupe-nos do trabalho.

- Qual o propósito das perguntas nunca feitas? Me admira a mãe da palavra se abster de proferí-las.

- Desculpe-me se o ofendo com minha pressa. Sabes tu o que está em jogo? - e novamente sentira-se estúpida ao perguntar. O que era aquela presença que sempre a instigava a perguntar? A reafirmar o poder da fênix? Ele sabia de tudo, dos porquês e comos, então qual o motivo do jogo?
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Antes

Caíra sobre a montanha como um cometa.
Adorava o cheiro de queimado daquele lugar, as figuras marcadas contra o solo, as marcas da fúria de um deus impiedoso. Talvez não tanto quanto ele, mas ainda assim simpatizava com a coisa. Odiava negociar com deuses-criaturas. Sempre brotava nele uma vontade irresistível de partir pra cima e domar as feras, pô-las em seu devido lugar. Animais.

Parara à porta da morada de Thyatis com um estrondo avassalador. A cratera que se formara abrigaria mil homens com facilidade e, ao estender a mão ao portão, o encontrou se abrindo. Um corredor reto levava direto aos aposentos da fênix.
Seu ninho de fogo estava vazio, assim como o poleiro acima deste. Ele atravessou depressa o corredor, apenas com o tilintar de sua armadura como companhia. Será que ele sabia por que ele estava ali? Claro que sabia. No fim, o bicho tinha suas qualidades.

- Adiante-se besta de guerra. Ajoelhe-se e pergunte sobre o futuro. Eu tenho todas as respostas para todas as perguntas, feitas ou ainda por nascer.

Ajoelhando-se ante o ninho, Keenn avaliava sua posição. Não seria atacado, não ali, no centro do reino de Thyatis. Ele causaria muito mais estragos do danos. Então a única resposta plausível era a demonstração de superioridade. Esperava que a fênix não soubesse de suas impressões acerca dele.

- Desejo beber de seu conhecimento, senhor da profecia. Ouso buscar suas respostas e entender o nebuloso futuro à minha frente. O senhor vai m...

- Sim, irei respondê-lo. Porém, preciso de uma paga de sua parte. Quando tudo estiver terminado, você me concederá um desejo. Sem questionar meus motivos ou intenções. És capaz de arcar com meu preço, Deus da Guerra?

A mente de Keenn fervilhava de opções. Quem aquele pombo pensava que era? Cada vez mais a vontade de depenar aquele pássaro presunçoso invadia sua mente. O que poderia querer dele? Não imaginava qual seria o preço, mas se fosse alto demais no fim, enfiaria a presunção daquela galinha super-crescida de volta cloaca adentro.

- Sim Thyatis, eu aceito o preço.

- Então fale Keenn e eu iluminarei suas dúvidas.
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- Sim senhora, eu sei.

- Irei algum dia alcançar esse novo lugar com meu poder? Como fazer para conhecê-lo, para saber como destruí-lo antes que nos destrua? Caso o líder do panteão descubra, o que ele faria? Posso impedir que esse conhecimento se perca, de algum modo?

"Eis o que acontecerá senhora e minhas palavras são o futuro. Você nunca o alcançará com seu poder pois o pai conhece o poder das palavras. Nós teremos um filho puro dessa criação entre nós, mas nunca saberemos que ele está aqui. O deus da justiça punirá com força e retitude mas será ineficaz em seus meios. Produzirá mais problemas do que soluções e será injusto nas atitudes. O conhecimento não se perderá ou encontrará, apenas existirá onde ninguém tenciona procurar."

- Agora vá mestra do conhecimento. Pondere e medite e jamais chegue a uma conclusão, pois esse é o mistério do futuro e seu legado é inútil até que aconteça. Apenas a mim é permitido ver e a ninguém é concedido entender.

Com dois passos Tanna-Toh retorna à sua biblioteca. Precisava meditar sobre tudo que havia ouvido. Mesmo que pouco e ineficaz, Thyatis tinha ajudado. Precisava traçar meios para proteger sua descoberta e as informações que resultavam dela. Sua previsão era muito mais precisa, porém extremamente demorada. Os três seriam descobertos e punidos, mas como? Um novo plano de descortinou ante seus olhos num instante.
Perdida em pensamentos a deusa povoa ainda mais de idéias sua gigalópole.
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"O deus dos ignóbeis levará o fogo da guerra à dama da beleza. Isso condenará à guerra a toda criação. A batalha vazia será vencida pelos ignorantes e a guerra que nascerá daí, perdida por toda Arton. A incapacidade de proteger trará a brecha para a ruína de todos. A maior de todas as batalhas se aproxima e quem tem poder se levantará, sob a bandeira do corvo. O que é rubro vai substituir o que é real e o que é vontade. E tudo será vermelho antes da realidade vencer."

- Siga seu caminho deus da guerra e trace seus planos. Cobrarei meu desejo em breve. O tempo para Thyatis é como areia ao vento, move-se quando quer e como desejar. Apresse-se.

Com o mesmo arroubo de poder da chegada Keenn se vai, levando parte do vulcão consigo. É guerra e Glórienn vai sofrer. Bastava que ele conduzisse bem suas peças. Sorrindo, seu humor se espalha por toda Werra lavando de sangue novo os campos de batalha.
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Uma cela escura de pedra morna. Uma cama e uma mesinha com alguns pratos quentes são as únicas coisas que destoam da desolação do ambiente. Através de uma janela quadrada ele fita o céu, vermelho de fúria. Onde estava? O que eram as coisas que o haviam seqüestrado? Grandes armaduras, modos rudes e fala grosseira. Além das muitas armas é claro. Aquele símbolo, um machado, uma espada e um martelo cruzados sobre um escudo. O que significaria? O que eles poderiam querer com alguém como ele?

Niebling se senta novamente na cama mordiscando um pedaço de algo macio, amarelo e quente, reconfortando-se com o sabor suave. Esperava ver seu captor em breve e, talvez, negociar sua liberdade.

6 comentários:

R-E-N-A-T-O disse...

Bem....
Nem acho que Khalmyr tenha sido injusto ao punir os deuses revoltados. Ele foi justo sim, sendo severo a sua maneira com cada um, punindo mais severamente o deus maligno pq tudo para ele já era planejado visando a dominação dele mesmo sobre os outros. Os outros seguiram mais seus conceitos de inventividade e de ambição infinitas, e portanto uma punição menos severa, mas ainda assim muito drástica e rigorosa.
É muito contrasenso achar que um deus, mesmo que o deus da profecia, falasse que o deus da justiça, líder do panteão, será injusto. Ainda mais pq essas decisões foram tomadas por todos os deuses. O próprio Kally diz isso no "o panteão". Ele pergunta onde estão os outros deuses que na hora q era pra julgar estavam tão ávidos, mas na hora de assistir a punição nao estavam presentes mais...

Mas no todo gostei. Adoro as profecias de Thyatis por motivos já conhecidos por todos. A narrativa está boa e instiga a saber mais sobre a trama que mesmo todos sabendo do desfecho, não se sabe como se desenrolou.

Aldenor disse...

Concordo em partes com Renato, mas vamos esperar pra ver o desfecho da introdução...
Khalmyr é um deus tããão legal. Não sei pq nego não gosta. AHahuahuauhauhahuauha

Capuccino disse...

Foda ^~
Eu só nao intendi o final ...

S i n n e r disse...

Olla, vamos lá, ajudar a intepretar minhas palavras.
Para começar, vamos ponto a ponto. Na ocasião da profecia, mesmo que pareça contracenso, Thyatis fala do futuro como um todo, sem discriminar se o alvo em questão é líder do panteão ou deus menor. Mesmo que as decisões tenham sido tomadas por todos os deuses, a parte do futuro vislumbrada por Thyatis é justamente a parte da punição, que é aplicada por Khalmir apenas, sozinho.
Me parece sim injusto, e isso pode ser corroborado se atentarem ao meu ponto de vista, que dos três deuses revoltosos, apenas Tillian tenha perdido de fato seus poderes. Mesmo que Kally tenha sido "esquecido", sendo essa a punição mais severa, nunca o foi de fato (sendo sempre lembrado em algum nível, mesmo que pelos dragões-rei como já sabemos), já Valkaria foi "aprisionada", tendo chance real de libertação caso alguém com poder e bolas suficientes intervisse e vencesse o labirinto.
Considerando esses fatos, alguém ousa dizer que Tillian não foi o mais prejudicado? Mesmo tendo seguido sua "natureza"?
A não ser que os autores caguem em tudo (como acontece às vezes), ele permanecerá sem poderes e louco (apesar de menos louco depois do Terceiro Deus), tendo sido o mais prejudicado pela punição da revolta.
Quanto ao final bem, é preciso atentar à história de Arton pra entender o que estou sugerindo.
No mais agradeço pelos elogios, espero continuar a manter o nível criativo até o fim. Esses prólogos estão planejados até o capítulo 10, por isso, paciência ok?
Abraços e adièau

R-E-N-A-T-O disse...

Realmente acho que as punições foram cada uma delas, a seu modo justas. Mas isso é questão de opinião mesmo.

Capuccino disse...

Entendi seu ponto de vista quanto a opiniao de Thyatis sobre o julgamento de Khalmyr.
Concordo com Daniel de que a punição foi realmente injusta e considero isso uma falha no cenário. Isso numa visão fora de Arton.
Agora, dentro de Arton, temos que considerar que Khalmyr É o Deus da Justiça e que todas as suas decisões são justas. Assim como todas as profecias de Thyatis acontecem. Entendem? Nesse foco, concordo com Renato.

Agora, a minha opinião: se nós analisarmos as coisas de acordo com o que Tillian, Kallydranoch e Valkaria representam chegamos:

Valkaria é a deusa da ambição e da aventura. Como ela pode se aventurar se esta presa? No entanto, ela nao perdeu as emoçoes e continua a ambicionar algo - no caso, sua liberdade. Nao perdeu sua identidade.

Kallydranoch é o deus do Poder e dos Dragões. Que poder exerce um Poder se este não for lembrado e confirmado todos os dias? Neste foco, Kalydranoch perdera quase que toda sua identidade.
Entendem? Como um monarca reina absoluto se ele não se faz lembrar de sua posição? É isso que eu to querendo dizer :D

Tilian era o deus inventor(sei la q porra era ele hAUhaU) Ele deixou de ser um Deus, perdeu os poderes - mas isso nao implica dizer que ele perdeu a criatividade. Ele pode muito bem, passada a loucura dele, tornar-se um grande inventor. E ser o que sempre foi.


Com isso, chego a minha conclusão: Valkaria teve perdas, mas nao deixou de ser o que representa(ambição, aventura); Tilian, idem(se aceitarmos a tese de que ele ainda tem criatividade).
Agora Kallydranoch? Khalmyr literalmente acabou com tudo o que ele representa, deixando apenas uma leve essencia. A pena mais grave na minha opiniao é a de Kally, sem sombra de dúvidas.
Thyatis poderia estar se referindo a injustiça no sentido de que os 3 seguiram sua natureza mas as penas cominadas a eles foram desiguais, desproporcionais.
Porém, acho que devemos levar em conta que Khalmyr é o Deus da Justiça e que nenhuma de suas decisões são injustas. Prefiro chegar a conclusão quando Daniel terminar de escrever =)
Falei de mais HAUaHu
Nao sei se me fiz entender =)
OBS: escrever por aqui é um porre! AUAGY