terça-feira, 30 de março de 2010

Contos Artonianos #6


A Masmorra no Bairro dos Anões, parte I

Muito antes.

Os anões são um povo de honra e lealdade. Tem como deus principal Khalmyr, o deus da justiça, embora nem sempre fosse assim. Há muitos séculos, o principal culto dos anões era Tenebra, a deusa das trevas e dos povos subterrâneos. Hoje em dia existe a crença de que ambos formaram os anões através de uma união divina. Heredrimm, como os anões conhecem Khalmyr, vem ganhando maior notoriedade entre os anões graças às influências bélicas – desde o Chamado as Armas, a guerra contra os trolls – e por conta dos dogmas que mais se encaixam com a ordem e as tradições. Ambos os valores amados pelos anões.

Delrin Turgar era o filho mais novo de uma tradicional família de ferreiros, membros da Guilda dos Ferreiros, uma das organizações mais influentes de Doherimm. Desde cedo ele foi ensinado como manda a tradição familiar: aprendendo o ofício da forja de metais. Em pouco tempo, Delrin demonstrou ser mais habilidoso que seu irmão mais velho, Falrin Turgar II. Entretanto, esse fato era sempre oculto graças às artimanhas de Falrin. Invejoso, ele persuadia Delrin de que sua família seria desonrada se o filho primogênito não fosse um exímio ferreiro. A tradição ditava que os primeiros filhos das famílias anões deveriam ser os melhores no ofício dedicado de cada clã e ele não queria que seus pais se entristecessem por essa diferença agora. Delrin nunca quis prejudicar seu irmão nem torna-lo menos digno. De bom coração, Delrin então deixou que suas forjas recebessem autoria de seu irmão mais velho.

Por muitos anos, Delrin foi sempre visto como um coadjuvante por sua família. Sempre deixado de lado, ficou ressentido quando viu seu irmão receber as glórias da medalha de honra da Guilda dos Ferreiros por suas forjas. Em seguida, Delrin tentou sabotar seu irmão na primeira forja em homenagem à Guilda, mas foi pego em flagrante. Delrin foi acusado por sua família de ter sido desleal e causou a imensa tristeza de seu pai Falrin Turgar. Tudo que ele queria evitar acabou acontecendo de qualquer jeito.

Deprimido, Delrin buscou consolo e a sabedoria de Khalmyr em seu maior templo de Doher, capital de Doherimm. Ele contou toda a verdade do que havia acontecido esses anos todos e recebeu conselhos do sacerdote. Percebeu que uma mentira, mesmo contada para aliviar a dor, causa sempre mais dor posteriormente. E que uma mentira sempre é traiçoeira e sempre irá se voltar contra ele. Delrin encontrou a paz que desejava e decidiu mandar uma carta para sua família, dizendo que iria permanecer na igreja por tempo indeterminado.

Logo, Delrin começou a mostrar seus talentos de armeiro, forjando armas e armaduras para a igreja de Khalmyr. Ganhou notoriedade por sua habilidade e perseverança. Ele era trabalhador e dedicado, demonstrando uma disciplina pétrea. Digna de um sacerdote do deus da ordem. Assim, Delrin foi convidado ao clericato. No inicio foi relutante, mas não se julgou no direito de negar o chamado divino. Estudou e praticou com as armas tradicionais de seu povo e, em poucos anos, de simples trabalhador armeiro da igreja se tornou em um clérigo de Khalmyr. Sua filosofia de fé dizia que o trabalho salvava as almas para um julgamento justo perante Khalmyr depois da morte.

Voltou para sua casa e percebeu que a tristeza não havia abandonado sua casa. Com o tempo, seus pais descobriram que Falrin era insatisfatório com a forja e ele não agüentou a mentira por muito tempo. Acabou revelando que suas obras na verdade eram de Delrin e que ele não merecia a medalha. Depois disso, foi embora sem deixar vestígios, largando a medalha sobre um machado de guerra, tradicional arma dos anões. Mas o clericato de Delrin poderia dar uma luz de felicidade aos seus pais. O orgulho do filho mais novo ser um clérigo de Khalmyr era por demais honroso e glorioso. Mas ainda assim, não ficaram felizes. O filho preferido era o primogênito Falrin e essa verdade não mudaria. Poucos anões mudavam ao longo de suas vidas.

Delrin pensou em deixar Doherimm e viajar pelo mundo em busca de seu lugar. Pensou em levar a justiça aos injustiçados, ajudar grupos de aventureiros com sua sabedoria e disciplina. Trabalhador, não pensou em abandonar a forja, por isso decidiu carregar seus equipamentos de artesão consigo. Quando notificou sua saída para a superfície uma carta havia chegado à casa dos pais. Era de Falrin. Ele havia entrado no clero de Tenebra. Seus pais ficaram felizes novamente. Essa foi a justificativa que faltava para concretizar o adeus de Delrin. Ele se foi sem se despedir dos pais, notificando por carta.

Hoje, início da noite.

Delrin nunca acreditou em acaso, como um bom clérigo de Khalmyr, acreditava na ordem e no destino. Enfrentando uma sociedade secreta em favor de Tenebra, o mesmo culto que seu irmão havia se tornado clérigo, percebeu que de alguma forma o seu passado nunca o abandonaria. O melhor jeito era enfrentá-lo com coragem e determinação. Temia em ver seu irmão envolvido na seita. Temia pelo pior, por ter de enfrentá-lo e entrega-lo à justiça de Deheon. Ele mexia em seu machado – o mesmo em que Falrin Turgar II deixou a medalha da Guilda dos Ferreiros – com pesar no olhar.

- É um bonito machado, amigão. – era Korn, enquanto mastigava um pedaço de pão duro, ainda na casa de Delrin antes de partirem para o bairro dos minotauros.

- Não fale com a boca cheia. É desagradável aos olhos de quem conversa.

- Não seja tão ranzinza. Fiz um elogio a sua arma. Não gosto de armas geralmente.

- Esta arma foi feita por mim.

- Puxa, você deve estar orgulhoso, amigão.

- Mas não estou. Ela trás recordações pesarosas.

- Mas isso é passado. Você deve se orgulhar de um objeto que você mesmo cria. Eu não crio nada, o que melhor sei fazer é jogar e ganhar alguns trocados. E você é abençoado por um deus fodão e faz coisas úteis por aí.

De alguma forma, aquela conversa improvável entre um anão e um goblin fez Delrin pensar no significado de concordar com Korn. Era estranho, mas gratificante saber que não era um anão preconceituoso.

***

No salão que mais parecia uma masmorra, Jasmira e o culto da Sociedade da Noite Eterna completavam o ritual. Gazat, o mais novo cão de guarda de Jasmira, aguardava parado ao seu lado como um poste. Seu grande machado em mãos ainda pingava com o sangue de oito cultistas mortos. Os membros da seita eram de variadas raças, anões, elfos, lobisomens e vampiros e nenhum humano realmente vivo. Naquela ocasião, a maioria era formada por lobisomens, pois o ritual era sobre a licantropia.

Visto pela maioria das sociedades como uma maldição de Tenebra, a licantropia era uma benção a quem adorasse a deusa das trevas. Aqueles que nasciam com a licantropia eram mais sagrados ainda. Recusados e caçados assim que descobertos, estes lobisomens vivam em fuga e encontravam, invariavelmente, conforto, abrigo e um lugar no culto à Tenebra. Existiam também aqueles que se transformavam pela infecção da mordida de outro lobisomem. Estes, quando sobreviviam ao encontro com estas feras da lua cheia, encontravam a solidão ou a exclusão como os lobisomens nativos. Ou então, buscavam a Mãe da Noite.

A Sociedade da Noite Eterna possuía grandes objetivos. Liderados por Jasmira, uma sacerdotisa de Tenebra de grande poder, buscavam honrar o nome da deusa das trevas fazendo rituais e tornando mais criaturas do dia em servos da noite, seja através do vampirismo, através da licantropia ou através da transformação em zumbis, esqueletos e outros mortos-vivos menores. Jamisra tinha como objetivo final, o fim de Azgher, sua destruição total, mergulhando toda Arton em trevas para que as criaturas da noite reinem soberanas. Para isso, uma série de rituais intrincados e complexos deveria ser feita e ela estava satisfeita de te concluído com sucesso o ritual dos lobisomens. Após colocar a jóia élfica sobre o prato de pedra enegrecida, queimar o incenso sobre os cálices que continham sangue de jovens mulheres virgens, o símbolo sagrado de Tenebra tornou-se mais negro, eliminando todo sentido de luz que ainda restava no ambiente. Mesmo aqueles que enxergavam no escuro naturalmente, como Jasmira e Gazat, ficaram cegos momentaneamente, guiados pelo sentimento de vazio que fazia com que sentissem um buraco em suas barrigas.

Um círculo abriu-se no chão em formato de pentagrama e de lá, emergiu diretamente do inferno, um anão e um lobisomem muito alto, de pêlos acinzentados e grossos, dentes anormalmente afiados, olhos de pura maldade. Seus músculos eram impressionantes, com muitas veias saltadas.

- Saudações, ó sacerdote anão. É com grande alegria que o congratulo pelo sucesso em vossa empreitada. – Jasmira sorria e sua voz parecia mais fina e ecoava com mais intensidade pelo salão.

- Falrin Turgar II é o meu nome, jovem sacerdotisa. Trago aquele que unirá o mundo dos vampiros e dos lobisomens, a união da força e da astúcia. Apresento-lhe o guerreiro destruidor dos impuros, Rengav Evol.

Rengav abriu sua bocarra e salivou em júbilo, acompanhado dos quatro cultistas que sobraram da matança do meio-orc. Seus caninos eram muito maiores e seu olhar era vermelho. Gazat sentiu seu coração palpitar. Não era medo, não era curiosidade. Era o verdadeiro instinto selvagem em seu interior que não fora controlado por Jasmira que tentava se soltar, alertando que contra aquela criatura, ele teria uma batalha muito dura e difícil. Gazat sentia a excitação do combate tentando liberta-lo do julgo de Jasmira.

***

2 comentários:

Aldenor disse...

Muito grande? É a metade do capítulo...

Marins disse...

esse ficou com o tamanho bom.

e a escrita ficou bem legal!

Psso usar a noite eterna no meu historico pro con(di)vergencias?