terça-feira, 13 de abril de 2010

Contos Artonianos #10


Os Vingadores de Arton

Togo Cachopardo, o halfling, acordou no primeiro cacarejo de seu galo. Olhou a janela e saltou da cama como de costume. Espreguiçou como de costume e vestiu sua roupa de trabalho, uma camisa amarelada com um colete e suspensórios. Rotineiramente, bebeu seu leite matinal e observou novamente a janela. Arton experimentava mais uma alvorada naquele momento, deixando mais claro o manto estrelado que Tenebra derramava sobre o mundo. Era mais um dia amanhecendo. O halfling pegou sua bolsa com as Gazetas do Reinado e começou seu trabalho de distribuí-las.

Ele já estava cansado de ser entregador de jornais da cidade de Valkaria. Ele era pequeno e a cidade era muito grande. Ele não se sentia confortável de ir a bairros como os dos minotauros ou dos tamuranianos, pois nunca era bem visto e era mau tratado. Ele gostava das histórias, gostava de cantar, gostaria de ser um artista, mas nunca teve muita sorte no ramo. Tentara sua primeira apresentação na Taverna do Pombo Perneta da Praça, mas fora logo passado para trás por uma dupla de meio-gênios e seus truques mágicos que eram melhores atrativos que uma simples canção.

Então ele decidiu aprender magia. Com suas canções, compôs alguns truques que poderiam ajudá-lo a criar um clima que pudesse envolver a platéia em suas músicas tristes e frias como uma manhã de inverno ou em suas músicas alegres e agitadas como uma tarde de verão. Tentou na Taverna do Último Suspiro, mas a melancolia do elfo ali presente era mais envolvente que seus truques.

Togo começou a passar fome. Vindo da distante terra dos halflings, Hongari, ele não estava acostumado a ficar tantos dias sem comer menos do que três vezes por dia. Vindo com uma caravana com seu tio que precisava comprar novos fornos na capital do Reinado, Togo comia bem todos os dias da viagem e os bondosos paladinos de Khalmyr de Bielefeld os escoltavam com muita competência, evitando bandidos de estrada.

Sua carreira de cantor havia ido por água abaixo cedo demais. Sentiu-se arrependido por não ter voltado com seu tio para sua casa. Até que fora expulso da estalagem onde morava por não ter mais tibares no bolso. Passou fome alguns dias, vivendo de pão velho e leite que os templos de Marah e Lena ofereciam aos pobres e sem teto. Foi quando ele conheceu a Gazeta do Reinado.

Um pergaminho que custava muito caro e era pouco acessível aos camponeses e plebeus, mas continham informações muito diversas que geralmente interessavam mais a aventureiros. Era chamado de jornal. Percebeu que o emprego de entregador de jornais era suficiente para que ele dormisse num pequeno quarto em alguma estalagem no bairro dos halflings. Ainda visto como um primo pobre pelos demais, ele começou a juntar uma boa quantidade de dinheiro e comprou um galo para que pudesse acordar mais cedo e entregar os jornais aos assinantes mais ricos que pagavam mensalmente.

Essa manhã poderia ser mais uma como outra qualquer. Em breve ele completaria um ano morando na capital do Reinado e estava sempre postergando sua “grande chance” de se tornar em um cantor de renome. Foi quando passou pelo bairro dos anões e ouviu gritaria em um casebre abandonado. Tomado pela curiosidade excessiva, ele se aproximou da porta lentamente e percebeu que ela estava aberta. Entretanto, a escuridão do casebre aguçava sua curiosidade. Decidiu adentrar um pouco mais até que se percebeu totalmente incapaz de enxergar. Achou que melhor que deveria voltar.

Então ele sentiu que pisou em alguém.

Assustado, deixou cair sua bolsa e percebeu que havia esbarrado em um corpo de um anão. Ele arregalou os olhos e começou a pensar na encrenca que havia se metido. Se o vissem ali, certamente iria pra cadeia e jamais poderia se tornar num artista como ele desejava. Olhou para os lados freneticamente, murmurando palavras incoerentes. Pensou que o anão pudesse estar vivo e conferiu. Estava morto.

Sem peso na consciência por abandonar alguém a beira da morte, Togo virou seus pés e começou a ir embora. Quando ouviu sons mais fortes de metal se arrastando.

“O que vamos fazer?” era uma voz tremida que exalava covardia.

“Precisamos ir à igreja de Khalmyr” era uma voz melodiosa, feminina, sutil. Quase que uma canção.

“Não teremos tempo. Provavelmente existem mais cultistas no final daquela escada e” a voz de um rapaz foi interrompida por sua visão. Os três companheiros, iluminados pelo arco de Ferannia, carregavam o anão Delrin do jeito que podiam e acabaram vendo um halfling.

- Quem é você?

Korn, áspero, sacou sua adaga e o ameaçou com o cenho franzido.

- Perdoem-me, não sou ninguém!

Togo ergueu suas mãos para o alto e cambaleou para trás, assustado. Arthur resmungou para Korn guardar a arma.

- Escute halfling, nós precisamos de ajuda. Somos aventureiros e estamos lidando com cultistas de Tenebra, a deusa das trevas. Meu amigo anão aqui é um clérigo de Khalmyr e está morrendo. Preciso de ajuda! Você precisa buscar ajuda para nós!

O halfling aspirante à artista estava com olhos arregalados e gaguejou palavras. Ferannia fez mais um apelo com seus olhos tristes e Togo sentiu-se comovido. Arthur gritou para que fosse mais rápido.

- Eu posso ajudar de uma forma.

Togo havia lembrado de uma canção que ouvia de sua mãe quando era criança e que era cantada quando ele se machucava. Limpou a garganta e soltou uma voz bastante limpa e sonora.

“A cura logo vem.
Não há como impedir
Os rios do espírito estão passando por aqui
A nuvem da unção.
Repousa sobre nós
É hoje o dia de romper com o mal
Não há como impedir

Hoje é dia de romper com a dor.
E eu recebo a unção de Marah”

Uma luz branca brilhou envolta de Delrin, que estava sendo segurado por Arthur e Ferannia. Ambos olharam incrédulos para o que acabaram de ver. As escoriações de Delrin sumiram e ele abriu os olhos desperto. Agarrou o colarinho da armadura de Arthur e aproximou seu rosto ao dele.

- O que está acontecendo? Onde está aquela besta?

- Acalme-se, Delrin! Nós o derrotamos e você foi ferido, mas...

Ele olhou para o halfling. Togo agora sorria, pois sentiu que fez sucesso e foi útil. Salvou a vida de um clérigo de Khalmyr, seria abençoado pelos deuses. Aproximou-se dos companheiros e ergueu sua mão ao anão.

- Eu sou Togo Cachopardo, filho de Holgo Cachopardo, da Vila Nessie em Hongari, o Reino dos Halflings. A quem tive a honra de salvar?

- Meu nome é Delrin Turgar, clérigo de Khalmyr. Obrigado.

Ele se levantou com ajuda de Arthur e Ferannia. Eles estavam confusos agora. Korn estava emburrado, observando o halfling que era um pouco menor que ele próprio.

- Como veio parar aqui? Como podemos confiar nesse tampinha?

- Ele salvou a vida de Delrin, eu sou grato a ele. Chamo-me Arthur Woodcastle Terceiro, sou guerreiro e sou nascido em Valkaria. É um prazer. Mas como você curou meu amigo?

- Ele é um bardo. Usou sua voz, seu dom artístico para manipular energias místicas. A força de sua música curou Delrin. Eu sou Ferannia Holimion, senhor Cachopardo.

Ferannia sorriu para Togo que retribuiu encantado pela beleza da elfa. O halfling pegou a mão de Ferannia e deu um beijo, mostrando requinte. Korn insistiu em sua pergunta direta de como viera parar ali.

- Eu sou entregador de Gazetas do Reinado. Mas é um emprego temporário, sabe? Eu vim de Hongari para ser um cantor, um artista, mas acabei que não tive muita sorte em Valkaria. Quem sabe numa cidade menor? Oh, sim, eu passava por aqui perto quando ouvi os barulhos e resolvi dar uma olhada. Sabe como é, nunca se sabe quando alguém precisa de ajuda.

Korn mostrou a língua, insatisfeito e contrariado com as falas rápidas de Togo. Delrin se recompôs e ignorou a presença do halfling lembrando a todos que a missão não estava completa. Precisavam descer as escadas atrás da estátua de Tenebra. Arthur concordou e agradeceu novamente à Togo. Indagou se ele estava interessado em acompanhá-los.

- Não, não sou aventureiro, só iria atrapalhar. Eu preciso é ir embora e terminar meu trabalho ou não terei o que comer.

- Você poderia compor uma história sobre nossas ações hoje, senhor Cachopardo.

Ferannia parecia contente com a idéia de ter um bardo por perto. Os olhos de Togo brilharam em satisfação. Então, ele mudou de idéia. Arthur ficou sério em seguida, erguendo sua espada apontando a direção que deveriam seguir. A essa altura, o arco de Ferannia havia apagado e, já demonstrando serviço, Togo fez uma rima que iluminou novamente a arma. Os cinco avançaram pela passagem secreta que Korn havia descoberto, depois chegaram à sala onde enfrentaram os cultistas e o meio-orc. Togo passou por eles e percebeu que Gazat estava vivo.

- Este meio-orc precisa de uma canção da cura. – disse Togo, animado.

- Espere! Ele irá nos matar! Não é pra curar os inimigos! – gritou Korn.

- Inimigos ou amigos, todos merecem outra chance. Eu posso ajudá-lo, mas não quero criar um impasse entre vocês. Só acho errado deixar alguém pra morrer...

(CONTINUA)

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