segunda-feira, 5 de abril de 2010

Aurora Carmesim #1 - Travessia, parte 8

Coração das trevas, Lugar-nenhum

O grupo ainda jazia imóvel, atordoado com toda a cena.
Um dragão ancestral. Um salão inimaginável. Centenas de criaturas das mais variadas raças.
Os cinco estariam perdidos caso este encontro se provasse uma armadilha. Simplesmente não poderiam combater todas as criaturas do recinto de uma só vez. E se fossem tão capazes quanto o tal mensageiro, Cledoveo?
E claro, havia um dragão maior do que tudo que já haviam vislumbrado parado ali, no meio do salão, os encarando. Se ele os quisesse mortos nada os livraria das garras frias da morte.
Com essa certeza pairando sobre seus corações, Thomas rompeu o silêncio abruptamente:

- Muito bem Xiucoathl, por que nos trouxe a esse lugar? O que deseja conosco?
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O cérebro de Victor trabalhava a uma velocidade inacreditável. Desde que cruzara o portal, ele havia focado toda sua capacidade mental em descobrir os porquês daquilo tudo. E já havia feito progressos consideráveis. Claro que ele precisava deles vivos e bem, caso contrário mandaria esse pequeno exército exterminá-los onde e quando fosse mais conveniente. Ele parece ser uma criatura poderosa capaz de quase tudo, mas deve existir algo ou alguma coisa que ele não possa realizar.
Ou enfrentar.
É possível para ele realizar de fato qualquer coisa tamanho seu séquito de subalternos. Então era para um enfrentamento que ele precisava deles. Mas combater o quê? Em troca de quê? Até por que, existiam pouquíssimas coisas que eles cobiçavam sem poder efetivamente possuir. A não ser...

- Tenho uma proposta para vocês senhores, - respondeu o anfitrião azul - por isso os trouxe à minha presença. E como parte dessa proposta ofereço a vocês algo de igual valor ao feito que desejo realizado. Você responde por todos, Thomas?
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Halfdan ouvia apenas parcialmente tudo que estava sendo dito. Orara em silêncio a Khalmyr em busca de discernimento e já executava seu próximo movimento.
"Khalmyr, abençoe meus olhos com a capacidade de enxengar além das máscaras da mentira e da dissimulação." Sentiu as mãos do seu deus pousarem sobre seus ombros e sua voz traduzir-se em imagens. E então, viu.
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- Sim, eu falo.

Com um gesto, o imenso dragão convocou um dos incontáveis pergaminhos que jaziam em algumas das prateleiras ao redor da sala. Ele flutuou sobre sua palma aberta, oscilando impacientemente.

- Vocês sabem o que é isso senhores? - ante o olhar inquieto do grupo, ele continuou - Claro, além do óbvio fato de ser um pergaminho imenso. Aqui existe informação cavalheiros. Poder. Coisas, fatos e descrições registradas com extrema acurácia, relativas a um período que hoje não existe. Nem mesmo para os deuses.

No mesmo instante Thomas viajou em direção a seu passado. Estivera muitas vezes no plano de sua deusa, Tannah-Toh. Nesse plano existe um museu contendo toda história de Arton. Nesse museu existe uma sala e nessa sala a realidade é branca, alva como uma folha de papel.

O período da Guerra do Três.

Então ele teria registros desse período? Seria possível? Caso isso fosse verdade, essa informação valeria qualquer coisa. Qualquer coisa.
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Xiucoathl deleitava-se com sua pequena vitória.
Sim, já os havia vencido no momento em que deixaram o paladino da mãe da palavra falar por todos. Ele já lidara com toda sorte de grupelhos, ajuntamentos, companheiros. Enxergava a evolução das carreiras e profissões através dos milênios, sempre acompanhadas de novas diretrizes e dogmas de acordo com a raça e sociedade reinante. Mas havia um coisa que nunca mudara em todos esses inúmeros anos.
Paladinos.
Campeões divinos da moralidade e decência. Sempre buscando a justiça cega, vendo o mundo em preto-e-branco apesar de suas infinitas variações de cinza. O aspecto e vontade divinos encarnados. Deuses são eternos e por esse motivo nunca mudam. Nunca evoluem. Patético.
Aprendendo suas nuances e caminhos, é possível forjar um engodo para cada um deles. Para cada peixe, uma isca. Conhecimento, poder, violência, morte, traição, cada um estava preso a seu próprio pecado, enclausurado dentro de seu aspecto, atado por sua própria existência.

- Pois isso pode ser seu, caso aceitem minha proposta. - antes que pudessesm interrompê-lo, Xiucoathl reiniciara - A centenas de anos, antes dos humanos emigrarem de Lamnor em busca de sua deusa morta, houve uma tribo bárbara que vivia a norte de Yuden, nas montanhas. Eram humanos, postos ali com um propósito escuso. Servirem de experiência e diversão para um deus. Esquecidos por sua mãe, que olhava para o sul, esses mortais viveram durante gerações, combatendo todo tipo de ameça que era jogada contra eles por seu pai. Bestas de Megalokk. Dragões de Kallyadranoch. Demônios de Ragnar. Monstros de Tenebra. E com a persistência que lhes é habitual, esses humanos sobreviveram. Subjugaram e derrotaram. Evoluíram. Até o ponto chave de seu propósito inicial, um campeão nascera. Naturalmente poderoso, fruto de centenas de anos de lutas e sangue. Mardoc era seu nome e matar era seu dom.

Perscrutando as faces dos seus convidados, Xiucoathl percebeu instantâneamente a compreensão se formando em dois dos cinco homens. Victor, o mago e Halfdan, o clérigo. Precisava continuar até o ponto principal, até enredá-los de maneira irreversível, selando seus destinos. E assim seria feito.

- Ele provou toda sorte de infortúnios, matou toda qualidade de oponentes e foi um deus entre os seus. Sob seu jugo, a tribo floresceu e cresceu, dando origem a um arremedo de sociedade. Espalharam-se, da maneira que sua natureza os impele, e fincaram-se àquelas terras em definitivo. Porém nenhum homem em Arton é imortal e Mardoc não seria excessão. Sua existência chegara a fim e ele foi acolhido com honras nos braços de Keen pelo resto da eternindade. Então caiu sobre a realidade a guerra dos três. Deus contra Deus, pelo mundo. E Keen o trouxera volta pessoalmente afim de impedir o avanço de Kallyadranoch no norte. Ressucitou-o no auge de seu poder, com toda experiência adquirida em Werra presente em cada célula de seu corpo, em cada canto de sua mente. Ele aprimorara o matador perfeito.
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Victor absorvia tudo com uma das muitas partes de sua mente. Uma outra trabalhava na ligação dos fatos e mais uma vasculhava a história em busca de provas. Uma quarta nas possibilidades de sucesso em um provável embate e uma quinta sobre seu problema mais imediato, como alertar Thomas do engodo que estava sendo tecido ali, bem na frente de seus olhos. Depois de ponderar consigo mesmo algumas vezes, sob pontos de vista diferentes, decidiu tentar um truque simples e rápido, que era capaz de executar com um breve sussurro.

"Gat. Rassaf he mau. Jumaf."


Antes de terminar sua breve sentença, sentiu sua mente esticar e divagar, afastando-se da concentração necessária, perdendo o truque. Mirou Xiucoathl e apurou seus sentidos, conseguindo notar uma segunda voz, quase inaudível, por trás da primeira. Ele o havia impedido.

- Depois que o panteão venceu a guerra e os revoltosos foram punidos, Mardoc ganhou mais um ano de vida, para espalhar suas sementes e gozar da vitória. Fora levado de volta a Werra por Keen e lá deveria permanecer até o fim dos tempos. Mas isso não vai acontecer. Minhas fontes revelam que ele será trazido de volta pelos servos da tempestade rubra através de algum ritual esquecido, da mesma maneira que trouxeram de volta o dragão da tormenta.

- Mas para que eles desejariam isso? Ele é humano e artoniano, ele vai lutar contra eles. - Exasperou-se Thomas, chafurdando ainda mais nas teias da armadilha.

- Ele será controlado pelos servos da tormenta, assim como o foi o dragão. Ele será jogado numa caçada insana para abater o maior obstáculo à conquista do ex-plano de Glórienn, Kallyadranoch. E isso não pode acontecer de maneira alguma ou será o início da morte de Arton. O ritual precisa ser impedido e essas criaturas destruídas. Vocês precisam me ajudar, vocês precisam ajudar o mundo.

"Tarde demais, não temos mais volta. Essa é chance certa de tentar amenizar as perdas."
Pensou Victor logo que o ponto final deixou a bocarra da fera azul. No momento em que abria a boca, Halfdan o antecedeu. "Oh, não."

- Não podemos ajudá-la, besta fera maligna. Não confio na honradez de sua intenção nem na veracidade de suas palavras, sairemos daqui imediatamente. Sobre seu cadáver de preferência.

- Eu ofereço conhecimento, Thomas. - desfiou Xiucoathl, ignorando Halfdan - Único. Inestimável. E você tem a obrigação de ajudar, de impedir que a realidade seja açoitada por mais essa ação da Tempestade Rubra. Você terá que me ajudar, Thomas, paladino guardião da realidade de Tannah-Toh.
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A angústia e confusão eram visíveis na face de Thomas. No espaço de um suspiro seu corpo executou uma rotina que anos de batalhas o ensinara: enrijeceu músculos, acelerou batimentos, estreitou os olhos e trouxe o poder de sua deusa para dentro de si, olhando diretamente para o coração das coisas. E nesse instante, ele viu. O mal estava presente ali, em todo lugar.

Seu espírito estava em guerra. Seu coração em polvorosa argumentava com sua mente atribulada. "É impossível. Não posso ajudá-lo, ou estarei ferindo a regra primordial dos campeões. Não posso associar-me a criaturas malignas. Mas não posso deixar nenhum conhecimento novo pra trás, ainda mais um assim tão valioso. Arton precisa de mim, Tannah-Toh precisa de mim, mas se eu responder ao chamado vou contra minha vocação, meu juramento e minha vida."

Uma mão tocou seu ombro e ele ouviu a voz cristalina de Victor acima de seus pensamentos. "Ele vai achar um modo."

- Acredito sermos incapazes de aceitar sua proposta, meu caro anfitrião. Uma vez que ofereces associação e recompensa, jaz em suas palavras uma forma velada de servidão. Teu coração maligno nos obriga a recusá-la e ainda mais, tua índole compele-nos a destruir-te. - completou a frase olhando diretamente aos outros. Sua mensagem era clara "Vamos embora agora."

Todos os outros deram um passo, aproximando-se de Victor e Thomas, tocando-lhes os ombros. Estavam prontos.

- Considere nossa partida em paz um gesto de profunda gratidão e boa vontade Xiucoathl. - disse Victor, olhando diretamente para os olhos do dragão.

- Eu voltarei maldito, e trarei toda ira de Khalmyr a esse lugar profano. Vou exterminá-lo. - vociferou Halfdan, com o rosto já transmutado de raiva.

Thomas fitou Xiucoathl com um misto de decepção e dor nos profundos olhos castanhos. Encontrou um sorriso de escárnio talhando a face da criatura, um ar de vitória completa.

- Eu voltarei pra tomar todo o seu conhecimento de você, desgraçado. Vou me banhar no seu sangue, assim que perfurar seu coração, fera maldita. Não te esquecerei. Leve-nos embora Victor.

"Raap acsa"


ZzzZiIiUuufF!!
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Fitando o local onde a um segundo atrás estavam cinco criaturas ingênuas, tolas.
Xiucoathl gargalhou. Sua atuação fora impecável. Eles caíram como insetos em seu ardil e fariam sua vontade, com a certeza amarga em seus estômagos de que foram ludibriados para tal. Era inevitável.
Virou-se em direção à prateleira de onde o pergaminho havia flutuado mais cedo e pôs-se a caminhar, transmutando-se novamente para sua forma humanóide. Guardou o pergaminho e foi em direção ao exótico tabuleiro de xadrez.
Fitou-o por um instante antes de ajustar as peças. Torcia pela vitória do grupelho. Só isso impediria que uma nova força entrasse em jogo.
Infelizmente, do lado inimigo.

2 comentários:

Marins disse...

quem é o francês?

hauhauha

Capuccino disse...

Ótimo post daniel XD
Halfdan é bem esquentadao mesmo! XD

Acho que vc pegou o feeling do personagem!
Mt bom mesmo. QUando temos outro?