domingo, 13 de março de 2011

Profecia #0 - O Chamado



Vila de Versäumnis - Norte de Galienn - Yuden 
Reinado - Um ano atrás

A tarde caia preguiçosa e rósea.
Abelard observava o véu da noite se descortinar por trás dos campos e se preparava para mais uma noite de caça. Nos meses que antecediam o inverno a noite sempre trazia animais maiores e mais valiosos. A vila de Versäumnis atravessava um período de relativa prosperidade, depois que Lady Shivara assumiu o trono. A estrada que seguia para o norte, rumo a Namalkah, havia sido pavimentada e o tráfego de mascates e comitivas crescia com a proximidade do inverno, fornecendo itens valiosos para sobrevivência nos meses frios em troca de carne, couro, moedas e artigos exclusivos. O vilarejo encontrava-se no meio do caminho entre Galienn e Drekellar, tornando-se naturalmente um entreposto conforme os anos passaram.



Com o estoque de couro quase completo e o fumeiro repleto de carne, Abelard acreditava que seria aquela sua última caçada antes do inverno vindouro. Ansiava rumar para o Vale do Baixo Fortitude, onde os predadores eram maiores e dariam couro mais valioso para as trocas com as caravanas. A pele de um tigre ou urso adulto era imensamente valorizada, e poderia conseguir até mesmo itens mágicos em uma troca vantajosa.
Voltou a seus afazeres, empacotando itens necessários à viagem e à caçada. Bittor, sua égua, estava descansada e bem alimentada, pronta para dias a fio na estrada. Era um excelente animal e custara-lhe uma pele de trigre listrado inteira. Trazida de Namalkah por um comerciante amigo de Abelard, pertencia a uma linhagem de cavalos poderosos usados nas grandes travessias de animais pelos pastos do Reino. O anseio pelas estradas gritava no seu sangue.
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Leste do Vale do Baixo Fortitude - Yuden
Reinado - 11 meses atrás

Bittor espumava de cansaço.
Chovia sem parar havia dezessete dias e a viagem que duraria pouco mais de duas semanas já se aproximava de um mês. Abelard estava cansado, com fome e doente, vítima dos males da chuva. Trazia consigo duas peles grandes de urso pardo que, encharcadas como estavam, pesavam quase tanto quanto um urso vivo. Subindo pela estrada que margeava a encosta de um lago escavado entre os montes a leste do vale, a dupla só desejava encontrar no cimo uma vila, uma casa, uma fazenda, qualquer coisa que indicasse a presença de seres vivos naquele ermo esquecido por Alihanna. Abelard já nem sabia mais a quanto tempo não via sinais de civilização e sem as estrelas para guiar a jornada, seguia pela estrada que fora encontrada com muito custo em meio às monções.
Após a última curva do caminho o homem sentiu sua égua tremer e arfar, sendo tomada por espasmos em forma de tosse. Era um mau sinal. Sabia que o esforço da subida era extremo, mas tinham que continuar. Ele não agüentaria seguir a pé e esperar em meio àquele tempo infernal seria suicídio. Alguns metros a frente, foi tomado por uma visão que fez seu sangue esquentar nas veias e elevou o ânimo já moribundo do caçador. Um templo, feito inteiro de pedra bem cuidada, resistia incólume à intempérie. A luminosidade bruxuleante no interior denunciava a presença de pessoas. Estava salvo.
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Abadia do Concílio - Leste de Galienn - Yuden
Reinado - 10 meses atrás

Abelard estava sentado sob um imenso carvalho, fitando o horizonte.
O vento soprava fora as folhas ressequidas da outrora frondosa árvore, anunciando a chegada do inverno àquelas paragens. Era apenas a terceira vez que o caçador deixara a claustrofóbica cela que fora seu abrigo nas últimas semanas. "Pneumonia", disse o velho abade, "A recuperação é demorada e com o inverno às nossas portas, terá que esperar a primavera para regressar".
Passara praticamente duas semanas alternando entre a vigília nebulosa o torpor do sono sem sonhos, pontuados por acessos de tosse intensa e dolorida. Quando estava forte o suficiente para conversar, soube que Bittor não resistira ao esforço final. Morreu às portas da abadia, tomada pelo cansaço e pela doença, assim como seu cavaleiro. Em seu último lampejo salvara seu mestre, cavaleiro e amigo. "Que Alihanna a tenha em seus domínios."
Azgher reinava absoluto num céu sem nuvens e seus raios aqueciam um pouco mais que o normal para aquela época do ano. A brisa fria soprava do oeste, vinda das Uivantes, e o caçador já divisava o branco da neve no cume das montanhas a oeste. A placidez do momento o assaltou, lançando-o ao reino dos sonhos sem que sequer se desse conta.
                                                   ***
- Abelard! Abelard! - chamou o velho abade, preocupado com o agitado sono do caçador.
- Ahn... Olá Alvino. O que houve, por que acordas dessa maneira? Aconteceu alguma coisa? - interpelou o caçador.
- Estava deveras agitado em seu sono, temi pelo pior. Recaídas são comuns em casos como o teu.
- Obrigado pela preocupação - disse o caçador se levantando - mas estou bem. Estava sonhando... com ela.
- Com ela? Quem seria? Alguma donzela deixada para trás pelo nobre caçador corajoso? - disse Alvino num tom amistoso e alegre.
- Com a deusa. Alihanna. - disse Abelard, com a tempestade no fundo dos olhos.
- Vamos para dentro meu filho, o tempo está esfriando. Conte-me mais... - disse o velho abade, conduzindo o caçador de volta ao templo.
                                                   ***
- Ela deseja que eu rume para o sul Alvino. Não sei por que, mas seu chamado ecoa forte na minha alma - disse Abelard, tomando um gole da rala sopa de batatas preparada pelo abade.
- Mas para onde meu filho? - perguntou Alvino, partindo o pão duro que havia ele mesmo cozido dois dias atrás.
- Não sei Alvino. Mas saberei assim que chegar. Preciso ir. - e tomou um gole da sopa, antes de molhar sua parte do pão - Rumar para o templo sem forma na cidade sem lei, no dia do caos. Ela me ordenou que fosse e sua visão queima em meus olhos sempre que os fecho. Essa é minha missão e sei que não terei paz se não a cumprir.
- Compreendo meu filho. Mas como fará? Como chegará? Sequer possui montaria ou mapa. Como chegará onde deseja? - comentou o abade, antes de morder um grande naco de pão.
- Seus olhos guiarão meus passos. Sua mão proverá meu sustento e suas pernas sustentarão minha força. Você deveria entender Alvino, melhor que ninguém, a força do chamado. - e pôs-se de pé, após terminar sua refeição - Parto amanhã pela manhã, sem demora.
- Que assim seja - disse Alvino, sem fitar os olhos do caçador.
                                                     ***

- Até mais! Que Alihanna te pague em dobro pelo que me fez - disse o caçador, apertando mão do abade.
- Você fez mais por mim do que sequer desconfia meu jovem... - retribuiu o abade, puxando o caçador para um abraço fraternal.
Seguindo a estrada rumo a leste, a figura do caçador se tornou miúda antes de desaparecer na planície cinzenta. Parado às portas do templo, o velho abade observava imóvel a caminhada do jovem caçador. Quando sua figura desapareceu por completo no horizonte o abade virou para o interior da construção e entrou, fitando o horizonte antes de fechar as pesadas portas de cedro.
- Fez mais por nós do que sequer imagina Abelard... - disse, cerrando as portas.
E por um instante, antes do cerrar completo das portas, pupilas vermelhas se deixaram ver, brilhando na penumbra do salão comunal.

8 comentários:

Aldenor disse...

LONGA VIDA À PROFECIA! hehehe
Bom post, usual qualidade.
Devemos arrumar um jeito de continuar jogando...

S i n n e r disse...

Olla senhores.
Valeu Aldie, espero que possamos jogar mais desse jogo que começou meio esquisito, mas tá fluindo.
=)
A título de curiosidade, cada nome tem um significado (e eu geralmente faço isso em meus contos, ponho nomes com significados), seguem:

- Versäumnis = do alemão, esquecido, logo, Vila Esquecida;
- Abelard = do alemão, resoluto;
- Alvino = do alemão, amigo nobre;
- Bittor = do basco, conquista.

Como Yuden sempre me remete à Alemanha, resolvi usar para seus nativos nomes alemães. E para a égua, um nome que remete aos corcéis espanhóis (ditos melhores) da região de Andaluzia (e não aquela idéia que Namalkah seja o sul do país).
Espero que curtam.
Abraços e adièau.

PS.: Se a chuva der trégua, amanhã to em casa. \o/
Se não, posto a terceia parte da Queda. o/

R-E-N-A-T-O disse...

Bom conto como de costume. Ajustei o texto pq tinha partes se justificar o texto.
Vida longa ao jogo e ao meu mago. Vamos marcar esses jogos logo. UD inclusive.

Capuccino disse...

Senhores, estou comentando, mas nao li o texto.

Lerei assim que possível, venho aqui comunicar que minha atuação rpgística está cancelada nos próximos finais de semana em virtude das provas, que começaram dia 4 de abril.

Peço que joguem sem mim, se for possível.

Aldenor disse...

Ficarei triste em matar Emyr...

Marins disse...

matar?? pq??

Aldenor disse...

Tô zoando, não matarei. Nem sei se ele faltará meu jogo, afinal deve ser só dia 10 de abril! Heheh

R-E-N-A-T-O disse...

Sou azarado mesmo, essas coisas sempre acontecem no meu jogo.