quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A queda #2


Continente de Lamnor – Lennórien – 300 anos atrás
Jardins do Templo de Glórienn

No coração da ancestral floresta de Myrvallar existia uma cidade.
Árvores anciãs de centenas de metros escondiam as maravilhas construídas ali durante séculos, num casamento perfeito entre o natural e artificial. Uma jóia sem igual, comparável apenas às concepções divinas em seus reinos, tamanha era sua beleza.
No centro dessa maravilha descansava uma obra sem precedentes, gigantesca e ainda assim una com as árvores colossais ao redor, o Palácio Real de Lenórienn, residência de Khinlanas e sua corte. Erguido de forma circular, suas paredes cobriam mais de vinte e oito quilômetros quadrados e a abóboda tinha quase quinhentos metros de altura. Erigidas como paredes de uma construção padrão, figuravam nelas diversos vitrais e sacadas imensas, fazendo vezes de janelas, filtrando a luz de Azgher e emprestando à atmosfera interna a impressão de minimalismo. Galerias sobrepostas como mezaninos abrigavam milhares de salões, onde o centro nervoso de Lenórienn fazia a cidade se mover. O centro da abóboda celeste, como era chamado a cobertura dessa obra magnífica, era inteiramente transparente, transformado ainda em tempos ancestrais pelos fundadores da cidade.



No centro exato dessa construção magnífica, residia o palácio propriamente dito, cercado de diversas edificações, torres dos arquimagos mais influentes, sedes de diversas guildas, casas dos altos nobres e lar do maior templo de Glórienn no plano material, a Basílica de Dethvainess, residência do sumo-sacerdote da divindade, Tillis Redwood.
Um imenso jardim dominava o paço que dava acesso frontal à basílica, povoado por plantas raríssimas, algumas só existentes em alguns reinos divinos. Em cada lado da construção titânica em estilo gótico, arcos encimados por vegetação faziam lembrar um par de braços abertos. “O abraço da deusa” costumava proferir Tillis aos fiéis.
E foi nesse jardim que Lydaelianathvan, o Lobo Branco, e Ynathlarathnisa, conselheiro real, encontraram o monarca da cidade. Dado a longos passeios vespertinos pontuados por debates filosóficos intermináveis com Tillis, sumo-sacerdote de Glórienn, vossa majestade o rei Khinlanas não fugira ao hábito naquela tarde. Estava sozinho com o clérigo, que apesar o grande poder, não era o único a proteger o Rei. Espalhados ao redor da dupla, diversos homens e mulheres da Guarda Eterna, grupo de elite que protege a família real, estavam ocultos nesse e em outros planos, zelando pela segurança do rei.
A aparência letárgica da tarde em nada refletia o humor dos visitantes, prontamente captado pelo sacerdote no momento da chegada da dupla.

- Boa tarde senhores. Pelo que vejo, não devemos sua visita ao belo cair da tarde, que preencheu seus corações com uma vontade irrefreável de discutir os assuntos do oculto e do divino com o sacerdote máximo de sua crença não? – recebeu o sumo-sacedote, usando seu tom mais leve.

- Acompanhem-nos – disse Khinlanas sem emoção alguma na voz, findando as amenidades.

A presença real era algo impressionante. Mesmo convicto de sua posição e tendo travado esse debate centenas de milhares de vezes em sua mente, o Lobo Branco não conseguia se concentrar. A cada passo, a cada instante, seus pensamentos eram tragados pela idéia de que o que estava fazendo era errado. Que o monarca de Lenórienn, seu rei, não merecia ouvir tamanhas sandices e isso, mais que o embate a seguir, inquietava a afiada mente do Lobo, que não compreendia a causa dessa confusão.
Adentraram a basílica pela porta frontal e a imensidão do lugar assaltou os visitantes. Mil bancos confortáveis, capazes de abrigar vinte mil almas, se estendiam por toda nave central. À direita e à esquerda, colunas trabalhadas à mão pelos mais habilidosos artesões sacros do reino mostravam cenas de Nivenciuén, com seus campos e florestas, cidades e fauna. Conduzindo os três para a direita da entrada, Tillis alcançou em pouco tempo a porta que dava acesso à sua residência, uma construção modesta para os padrões do lugar, mas ainda assim opulenta e repleta de recompensas e troféus acumulados pelo clérigo em sua jornada rumo ao posto máximo da fé em Glórienn.
Fechando a porta atrás de si, Tillis seguiu em direção à um dos confortáveis sofás que dominavam a ante-sala, acompanhado por Khinlanas, que se sentou sem convite ou cerimônia. Estava em casa ali e se tinha que dirimir qualquer desavença, imaginava poucos lugares melhores pra tal.

- Imagino a que devo a visita do meu conselheiro e de um dos meus guardiões. Poderiam elucidar essa questão pra mim? – rasgou Khinlanas, com a face vazia.

- Lydaelianathvan, o Lobo Branco, contestou minha decisão. E com isso a decisão de vossa majestade. Por isso estamos aqui, ele invocou Eradeth – sibilou o conselheiro.

Olhando como que através do Lobo, Khinlanas respirou fundo. Nunca havia presenciado a invocação da Lei Eterna, ainda mais numa esfera tão alta quanto aquela. Era seu conselheiro particular contra um dos guardiões do reino, alguém que confiava seu reino contra alguém que o protegia de tudo, além das lealdades hierárquicas. Como dirimir uma situação como aquela? Se prevalecesse a posição do guardião, teria que destituir ao conselheiro de seu posto pelo respeito perdido. Se o contrário acontecesse, talvez fosse responsável pela queda de alguém que já dera o sangue pela coroa.
Resolveu escutar sobre que discordavam para só então proferir seu parecer.

- E que decisão seria essa, Ynathlarathnisa? Sobre o que discordam tão profundamente a ponto de vir a minha presença e por seu legado à prova?

- Ele ignora a ameaça goblinóide majestade – se adiantou o Lobo, afinal estavam ali em igualdade de condições, os dois – Insiste em manter a inércia, quando os sinais são claros. Propus um ataque aberto, um extermínio total, que foi rechaçado pelo vosso conselheiro por pura soberba.

- É verdade Ynathlarathnisa? A ameaça é tal que os guardiões desejam uma guerra aberta? – interpelou o Rei.

- Não, vossa majestade. O Lobo fala apenas por si mesmo, nenhuma casa o apóia. Ele pede um banho de sangue por ter perdido um dos seus para as criaturas. A inépcia de um soldado seja ele quem for não justificaria o esforço – atacou o conselheiro, sentindo que desestabilizaria o inimigo. Vencera, enfim.

- Isso procede Lydaelianathvan? Convoca a nação à guerra para satisfazer seus desejos de vingança? Contesta minha decisão, tomada sob a voz de Ynathlarathnisa, por conta de uma peleja qualquer com criaturas muito aquém do seu respeito?

- Tomar a vida de um dos meus, tomar a vida do meu filho primogênito, só denuncia o crescente da ameaça, majestade. Eles estão mais populosos, mais inteligentes. É questão de tempo para que se tornem uma ameaça ainda mais próxima – tentou o Lobo em vão. Sabia que tinha perdido a disputa no momento em que o conselheiro expusera e distorcera os fatos. Restava apenas apelar para o sentimento de proteção do rei, e torcer – Já povoam toda Myrvallar ao nosso redor, se reproduzem dez vezes mais rápido e duas vezes mais. Vossa majestade acredita mesmo que serão para sempre formigas sitiando uma fortaleza? Tudo evolui, e mesmo as formigas podem corroer a fortaleza.

- Pois bem, convoquem o conselho. No alvorecer de amanhã, falarei ao conselho e às casas. E minha palavra é a Lei. Agora saiam. – disse Khinlanas, sem denunciar sequer um átimo do que passava pela sua cabeça.

E os dois adversários deixaram o aposento juntos, para se separar ainda na nave da igreja.
O Lobo se dirigira ao altar, para pedir por orientação. O Conselheiro saíra pela porta frontal, para exigir devoção.

7 comentários:

Aldenor disse...

Como sempre, uma excelente contribuição aos anais históricos de Arton. Os elfos precisam mesmo desse olhar glorioso para o passado, pois hoje só há desgraça.
Continue assim!

R-E-N-A-T-O disse...

Muito bom, sempre bom imaginar o que aconteceu. O rei era um bostão e em breve tanya será sequestrada aí será tarde demais para ele. A aliança negra será formada e Lenórienn tombará. Khinlanas perderá sua cabeça e ela será pendurada como troféu pelos Hobgoblins.
Parabéns e continue a contribuir.

Aldenor disse...

Estamos num mês de criatividade, heim! Cinco contos, seja de jogo, seja de contribuição história... hehehe Continuemos assim!
Seria bom ver o background de Iliar, Andrew, William e Emyr...

Capuccino disse...

Muito foda, mais um post sensacional! XD

Bom que tenho mais subsídio interpreativo pra Thaedras ^^

S i n n e r disse...

Olla senhores.
Mais uma parte da queda. Quase esqueci de traduzir mais um nome élfico que apareceu nesse conto.

- Dethvainess = Eterno espírito élfico.

Por hora é só, espero finalizá-lo em breve. Se a história me permitir.
Abraços e adièau.

Aldenor disse...

Thaedras, heim...

Uma pena não haver jogo pra ele!

Aldenor disse...

Hoje resolvi fazer o dever de casa de mestre e fui olhar as fichas de geral. Depois de decifrar as letras sofríveis, descobri umas incongruências:
Ao personagem Hector com sua Inteligência 15, ele teria direito a dois idiomas extras. Na sua ficha consta Goblin, tamuraniano e élfico...
Andrew possui uma armadura que está acumulando com a habilidade Autoconfiança do swashbuckler que, em TRPG, não acumulam mais. Andrew também tem duas perícias além do que lhe é permitido e também falta um idioma para ser preenchido.

É isso!