quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Interlúdio


Fronteira Leste da Favela Goblin
Cidade de Valkaria - Deheon - Reinado

Duas figuras dialogam na penumbra de um beco decrepto.
Uma delas um homem alto, esguio, vergando foscas vestes cinzentas que àquela parca luminosidade praticamente não o divisavam. A outra ainda alta, mas mais baixa e larga que a primeira, vestindo um manto e capuz totalmente feito de tecido furta-cor. As duas silhuetas contra o reboco cinza dos prédios ao redor eram praticamente invisíveis.

- ...apenas um favor, a ser cobrado quando o Indicador achar melhor. Um favor de alcance e validade ilimitados - sibilou o homem alto por entre dentes.

- Sabes que pede demais, Falange. Minha requisição não deveria estar assim em tão alta conta. Ele é apenas um homem. Humano. Mortal. - rugiu o homem furta-cor.

- Mas você deve saber tão bem quanto nós que ele é... especial. Não se tecem profecias e movem-se recursos pra alguém banal e comum.

- Recursos preciosos e importantes demais para serem despendidos sem uma garantia concreta não acha? Uma conversa de beco, com um lacaio imprestável, numa noite escura não me parece suficientemente palpável.

Erguendo a mão de súbito, Falange desfere um sonoro tapa no interior do capuz do homem menor. Seu olhar nublado de fúria mal nota a mudança de postura do interlocutor.

- Sou a 1ª Falange do Indicador, filho do Piramidal, uma das bases da Mão. Nosso alcance é vasto e nosso poder extenso. Poderíamos matá-lo aqui mesmo, nesse beco imundo, e ninguém saberia por semanas, seu afetado de merda. Se digo que faremos pelo preço combinado, então esse é o acordo. Ou seu homem é comum demais pra valer o sacrifício?

- Tens razão ignóbil lacaio. É fato notório que meu alvo não é, nem de longe, alguém comum. Dê minha resposta então. Avise ao Indicador que aceito os termos, com uma ressalva: tem que ser feito logo, de maneira permanente. Ou então eu os caçarei um a um, parte a parte, até decepá-los de uma vez por todas.

- Pois bem, que seja. - e a alta figura lúgrube estendeu a mão ossuda, tencionando selar o acordo.

Fitando o interior do capuz do homem menor, Falange não teve tempo de se arrepender. O homem agarrara sua mão com um movimento rápido, preciso e seu aperto férreo já começara a triturar os ossos mais frágeis de sua mão. Mais sentiu do que viu o movimento que tirou fora a sua mão direita, salpicando o imundo chão lamacento com seu sangue carmesim.
Não gritou. Sequer blasfemou ou jurou vingança.
Os olhos que vislumbrara dentro do capuz do outro o assutaram mais do que uma vida miserável, vagando e mendicando como aleijado pelas ruas sujas e poeirentas da favela. Uma mão foi um preço pequeno demais para aplacar o demônio nos olhos do outro. Mesmo sua vida não teria sido suficiente.

- Levarei então sua mão, Falange, como garantia palpável. Afinal, ela deixou de te pertencer após macular-me com seu toque pútrido. Vão - e disse isso em voz alta, ecoando pelo beco - e façam conforme combinado. Que a mão de Nimb pouse sobre seus ombros! -e começou a acenar a mão recém-tirada de Falange para o beco ao redor.

Com passos apressados, diversos vultos deixam as imediações do beco imundo. Praticamente correndo, Falange, ganha as ruas imundas da favela. O cheiro acre nunca lhe foi tão doce quanto hoje.
O dia em que tocara em um demônio e sobrevivera.
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Deixando o beco imundo, o homem furta-cor serpenteou por diversas ruelas e caminhos, se afastando das imediações daquele amontoado de excremento.
A muito se livrara da mão do magricela, atirando-a a alguns cães famintos que disputavam a carcaça de um gato. Carne fresca a cães famintos, certamente uma grande ironia.
Tinha sido divertido, arrancar a mão daquele merda insolente. A brutalidade e a selvageria desnecessária continuavam encantando-o, mesmo depois de tanto tempo.

- Ragnar seja louvado... - sussurrou enquanto retirava seu manto e atirava-o longe, dentro do abrigo de alguns mendigos. O burburinho começou quase que intantâneamente, em luta pelo pedaço de tecido. A impecável seda azul-turquesa de suas vestes quase que reluziu, ao ser tocada pela luz de um dos muitos lampiões.

Haveria ainda mais sangue derramado aquela noite e esse era um bom auspício.
Sangue. Morte. Ruína.
O mundo ia ruir em breve e ele estava satisfeito em dar seu golpe.

4 comentários:

R-E-N-A-T-O disse...

Taí uma coisa que não via a um tempo. Creio que desde Peter Burke em crônicas artonianas não rola um bom vilão em nossas campanhas. Vilões realmente maus. Gosto de odiar NPC's. É sempre enriquecedor pros personagens passar por essas provações. Ragnar é um deus excelente pra vilões.
Parabéns, belo conto. Muito bom. Que Farid tenha força pra aguentar seu estoque de maldades hahahahaha.

Aldenor disse...

Que Khalmyr varra todo o mal!!!

Marins disse...

Ha! O desafio é sempre bem vindo! Nos traz fama e fortunas!

E é lógico que ótimas histórias

Aldenor disse...

Ih, notei que o jogo mudou pra casa de Daniel (tanto sabado quanto domingo). Quer dizer que Dudu desfalcará o grupo?