quarta-feira, 8 de julho de 2009

Extinção #1 - Gritos Áfonos

Café Strauss, Downtown

Dominik acordara de sobressalto.
Sentara sob o balcão da cafeteria a qual encontrara abrigo. A seus pés, dormia uma figura cansada de aparência doente, serena como uma criança, excetuando-se o chiado constante que fazia ao respirar. Encostou a cabeça na parede fria e começou a digerir as útlimas horas. Havia perdido quase tudo que considerava valioso em sua vida. Sua mulher, sua filha, sua casa, emprego, tudo se foi, rodopiando nas cinzas dos acontecimentos. Sem dar-se conta, lágrimas começaram a rolar, face abaixo. Como isso foi acontecer?

Os minutos alongaram-se indefinidamente enquanto Dominik pensava sobre a ruína do seu mundo. O homem ao seu lado tossiu, uma tosse ruidosa, pesada, doente e ele foi arrancado de seus devaneios. Já era hora de traçar um plano, um meio de sobreviver até a chegada à fronteira. Inconscientemente, Dominik olhara em direção ao embrulho que era sua filha. Fizera um casulo improvisado com as toalhas de mesa limpas que encontrara no armário de frente ao balcão, isso serviria pra aquecê-la até a chegada da manhã.

Quase em câmera lenta, notara todo o pequeno ambiente que jazia ao seu lado. As toalhas afastadas, murchas, um dos pés do sapato perdido em meio às dobras das toalhas, o frio da ausência partindo o pouco da calma que conseguiu erigir. Seu coração martelou em resposta, mesmo que o cérebro demorasse um átimo de segundo para entender. Num surto adrenal ele pôs-se de pé. Olhos arregalados varrendo o ambiente lúgrube. Uma luz pálida, ocre, pálida, inundava todo o ambiente cobrindo tudo com uma mortalha difusa. A porta pesada de vidro fechada e escorada como deixara, não haviam janelas e nem outras entradas. A não ser pela cozinha, onde a pálida luz do ambiente não alcançava. Onde as portas duplas retornáveis encerravam o desconhecido.

Apurou os ouvidos em busca de sons de sua filha: cantorias, murmúrios, passinhos, qualquer coisa. Apenas o crepitar longínquo do centro em chamas dominava o espaço. Adiantou-se por sobre o desconhecido(?) a seus pés e abriu relutante as portas duplas. O metal onipresente na cozinha faiscou, dando à Dominik a impressão de retornar à velha câmara de experimentos avançados. Olhou pra noite encarcerada do lado de fora das vitrines de vidro grosso e mergulhou na escuridão da cozinha com as portas suspirando ao se fecharem.

* * *

Piscou algumas vezes até seus olhos se acotumarem à escuridão imperativa do ambiente. Por sob a porta duas finas lâminas de luz torpe derramavam luz sobre o piso quadriculado. Um balcão extenso, um catre recoberto de panelas diversas, um faqueiro com mais facas do que poderiam ser úteis sobre a pia à esquerda. Armários dominavam o ambiente, por sob e sobre quase tudo e um avental farfalhando suavemente denunciava que o chefe se fora. Caminhou pé ante pé para circundar a bancada, ouvindo seu coração pulsar nos tímpanos. Respirava rapidamente, o cenho endurecido de sangue coagulado e seco movia-se talhando padrões estranhos em sua face. Onde estava ela?

Encontrou o chão com baque surdo, seus joelhos não suportaram a endorfina do alívio. A pequena Anna estava sentada atrás do balcão, protegida à sua sombra, roendo uma bisnaga de pão doce um pouco grande demais para seu tamanho. Agarrou-a nos braços, apertou-a, cobriu-a de beijos. Estava viva. Estava bem.


RRRRRRRRRRrrrrrrrrrrrrrrrrrrraaaaaaaaa...

Dominik sentiu o sangue sumir do corpo. Virou o rosto devagar encotrando o pesadelo às suas costas. Uma porta entreaberta no fundo da cozinha revelava a silhueta de alguma coisa situada entre o bizarro e o profano. Uma mulher trajada de noiva quase em sua totalidade fitava os dois com seus olhos mortos. Os dentes arreganhados e as marcas de sangue do vestido denunciavam que aquela mulher descabelada a muito não era humana. Não estava consciente.
Como pudera não ver a porta no fim da cozinha? Como fora tão descuidado de si mesmo e da pequena Anna?

Levantou-se devagar, antevendo o pior. Se gritasse por ajuda a coisa viria diretamente a seu encontro. Se corresse ela o seguiria e talvez matasse a todos. Tinha a pequena Anna em seus calcanhares, agarrada às suas coxas, nunca iria conseguir circundar o balcão a tempo. Deslizou a mão sobre a superfície gélida à procura de algo. O metal acariciava seus dedos com um beijo fúnebre, liso e perfeito como a pele de um infante, recusando-se a agraciá-lo com algo útil.
Estendeu a mão livre à frente num gesto débil de não-agressão e a criatura deu mais um passo em sua direção, intoxicando a esterelidade do ambiente com seus pés imundos e sua baba fétida que escorria durante os austos furiosos. Agitava freneticamente o braço sobre a pia, rezando para que a sorte lhe sorrisse. A criatura deu mais um passo. Seus olhos ficaram nítidos como a idéia em sua cabeça. Existir. Sobreviver. Defender.
E deu um passo à frente.

* * *

Sentia sua boca ferruginosa, pegajosa, salgada. Com o canto do olho aberto fitava a silhueta atravessar a porta e ganhar a noite. Em seu abraço macabro a pequena Anna debatia-se freneticamente, rasgando a escuridão com seus gritos. Ele chorava debilmente, o líquido salino misturando-se à poça de sangue que tingia o piso. Sua mente fraquejava. Seu corpo rendia-se. A alma gritava e a boca recusava-se a emitir um som se quer.
Se foi e com ela o que restava de seu mundo.
Fechou os olhos, entregando-se.
- Dominik? Dr. Dvořák?

4 comentários:

R-E-N-A-T-O disse...

:~

Coitado... mulher, filhas pequenas... mt culpa nas costas.

R-E-N-A-T-O disse...

Peço que não postem nada na sexta para que eu possa postar o histórico de Farid sem atropelar nenhum post. Grato.

S i n n e r disse...

Okie dokie man...
Não chore ainda gafanhoto, Dominik ainda não pagou o mal que ajudou a fazer ao mundo. Ele ainda terá passagens por aqui, e não serão melhores.
Ainda pretendo postar alguma coisa hoje mas prometo te deixar a sexta-feira livre.
No fim, é isso. Mesmo com o flood de postagens (o que acredito render pouca atenção a todas) sigo conforme meu planejamento incial (ainda na concepção do Blog) e uso o espaço pra registrar minhas idéias, ainda que muito mais para mim.
Boa sorte com o background do Farid (o oposto de Vanthuir ^^).
Abraços e adièau.

Aldenor disse...

Maneiro. Daniel leva jeito para o horror... lembro-me de uma certa campanha de Ravenloft... ai ai
Espero que Michael tenha um fim heróico! HUAHUAHUAUHAHUAHU Zoando!