sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Juiz, júri e executor-parte 1

Centro-sul da cidade de Valkaria
Deheon – Reinado

Era uma bela manhã.
Poucas nuvens passeando ao sabor do vento pelo céu, Azgher em todo o seu esplendor, iluminando a vida e os sonhos dos Valkarianos. Rúbia beijou apaixonadamente seu marido, sabendo em seu íntimo que levaria meses, talvez anos, antes de tê-lo outra vez em seus braços. Igan era um paladino, mas antes disso era um meio-sangue. Nem humano, nem elfo. Um estranho nas duas culturas, um pária de ambas as sociedades, um eterno andarilho, caminhando entre todos sem pertencer a ninguém. Nem mesmo a ela.
Igan já tinha quase 90 anos de vida, muito mais que ela ou seu filho chegariam mesmo com todos os milagres e bênçãos possíveis, e ainda parecia um jovem homem. Mais que um jovem, um garoto. E mesmo assim, ela se apaixonou por ele.
Por toda tristeza, por toda vivência, por toda sabedoria, por toda dor acumulada ao longo da sua vida. Por sua incrível capacidade de sobrepujar toda intempérie, por seu enorme coração, capaz de abraçar o mundo inteiro no espaço de um batimento, por sua selvageria, sua inconstância, sua ânsia por mudanças. Um coração humano num corpo élfico.
Mutante e permanente. Caótico e reto. Alegre e melancólico. Divino e mortal.
Dicotômico.
Quando ele atravessou soleira da porta, deixando-os, os olhos de Rúbia encheram-se de lágrimas e ela chorou. Chorou como da primeira vez em que foi tocada por Khalmyr, chorou como quando soube estar grávida dele, chorou como fez em todos os momentos cruciais da sua vida. Chorou por seu homem, pelo rei do seu coração, pelo seu maior cúmplice, pelo seu melhor amigo, pelo seu mais ardente amante.
 “Khalmyr, proteja-o. Traga-o de volta pra mim vivo, por favor.”


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Leste da grande estátua da deusa, Valkaria
Deheon – Reinado

Adam ganhou as ruas logo após o suspiro da passagem secreta escondê-la outra vez.
Era um beco apertado entre dois prédios baixos, praticamente invisível sem um olhar mais atento. Quase não suportara a longa conversa com o seu contato na cidade. Odiava a nobreza. Odiava o que representavam, odiava o que inspiravam, odiava o que faziam. Cães brigando pelo maior pedaço de sebo da carcaça morta da sociedade. Nem sequer sabiam pelo que lutavam e enganavam, pelo que traíam e vendiam pessoas, trocando destinos como se fossem brinquedos velhos.
Eles se achavam imortais, intocáveis pelo tempo, pelas leis e pelos deuses, capazes de comprar qualquer coisa, de conseguir qualquer favor, de conquistar qualquer mérito e cativar qualquer pessoa. Mas no fim, quando nada disso tem mais valor, quando milagres não podem curá-lo, quando asseclas não podem salvá-lo, quando ninguém ouve suas ordens, quando o anjo da morte vem buscá-lo e Leen o arranca dos braços do mundo, eles são todos iguais. Pedaços de carne, prontos para apodrecer no fundo de seus mausoléus. Almas inchadas e gordas de soberba, prontas para sofrer para todo o sempre na morada de algum deus qualquer, incapazes de evoluir, de aprender, de melhorar. Habitando um lugar onde ouro, influência e favores não valem de nada.
A morte nivela a todos.
Amém.
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Centro-sul da cidade de Valkaria
Deheon – Reinado

Rúbia ouviu as batidas na porta e enxugou as lágrimas na barra da camisa simples de algodão cru. Será que Igan havia esquecido alguma coisa? Esperava que sim, que houvesse tempo pra mais uma despedida, mais um ato de amor, mais uma cópula entre eles.
Atendeu a porta com pressa, ansiosa como uma jovem pronta para pecar pela primeira vez com seu amante, e teve seus anseios frustrados pela figura que esperava do lado de fora. Uma senhora, no alto de seus cinqüenta e poucos invernos, trajando uma capa bem tecida e um vestido simples, mas de qualidade, com as barras bordadas.
Meredith.
A ama seca que lhe fora indicada pelas mulheres do templo para ajudá-la nos afazeres da casa e na criação de seu rebento. Alguém mais experiente e mais capaz nas tarefas de casa do que ela, nascida e criada na nobreza e treinada na ordem desde cedo, desde o chamado.
Meredith e Rúbia conversaram por algum tempo, a mais experiente consolando a mais jovem nas questões do coração. Meredith já tivera um marido aventureiro. 
“Um campeão de verdade. Sempre me trouxe mais ouro do que podíamos gastar e mais fogo do que eu era capaz de apagar. Eu o amei por toda a minha vida e acho que amarei além dela, se Valkaria permitir. Ele lutou na queda de Trebuck. Era bravo e teve uma morte digna. Ou pelo menos assim disseram seus companheiros. Ganhamos até mesmo uma cara real, parabenizando a família pelo herói que ele foi. Que Valkaria o tenha em suas graças, até que eu chegue.”
Deram “Amém” em uníssono, aprovando o bom agouro daquelas palavras.
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Centro-sul da cidade de Valkaria
Deheon – Reinado

Caminhando através do populacho Adam quase sentiu pena daquela gente, alheios às verdades do mundo. Tinham um coiote caminhando entre elas e nem sequer notavam. Instintivamente se afastavam dele e sequer tocavam suas vestes, olhavam sob seu chapéu, trombavam, encaravam como acontecia por toda ruela. Divisou seu destino a quase trezentos passos de distância no meio de outras casas simples, porém amplas, caiadas à perfeição. Era ali que findaria a história de um traidor, do homem que desrespeitara laços mais fortes do que religião, ouro ou poder. 
Amizade. Companheirismo. Gratidão.
Atraiçoou os antigos companheiros em nome de uma fé cega, de uma moralidade dúbia que via tudo em preto e branco, sem outras variações. Já o fizera antes com palavras e ações e agora, quando reuniu poder para tal, o fizera também com o gume da espada dita “santa”.
Hoje isso acaba.
Veremos se o poder da fé pode livrá-lo da morte, da retribuição, da vingança. Se pode livrá-lo de Adam Brimstone.
Dando a volta pelo quarteirão Adam estudou cuidadosamente a vizinhança, as rotas de chegada e saída, a forma de ataque e tempo de resposta possível da milícia. Ele tinha o tempo contra si mas isso não chegava a ser um problema, porque em lugar nenhum do Reinado a milícia respondia em menos de mil batimentos de coração. E isso era uma estimativa muito otimista.
Escondeu seus mosquetes de repetição no alto de um prédio sólido, maciço, que servia de armazém de secos a dois quarteirões da casa de Igan. Isso o daria tempo e guarida até a poeira baixar, até ele poder sair de Valkaria de uma vez por todas e tocar sua vida, esperando a visita de Leen encerrar sua existência.
Parou de frente à soleira da porta e retirou Medo e Desespero dos coldres. Lá dentro, uma criança começara a chorar estridentemente, arrancando “calmas” de alguma mulher. Devia ser a tal paladina, esposa de Igan. 
Ótimo, hoje os entregaria a todos a Leen, matando a semente maldita do traidor e arrancando sua árvore de Arton de uma vez.
Levou as pistolas à boca e as beijou de olhos cerrados.  
“Que Leen guie meus braços e direcione minhas balas. Eu os ofereço em sua glória. Amém”
Ergueu o pé em direção à porta e liberou o inferno.

4 comentários:

S i n n e r disse...

Olla senhores.
Como vêem eis a primeira parte do conto sobre a morte de Rúbia, esposa de Igan, paladino de Khalmyr.
Como o conto está enorme (seis páginas mais ou menos), resolvi postá-lo em partes para que não fique muito cansativo para o leitor.
Espero que gostem.
Se concordarem, a segunda parte vai daqui a dois dias e a provável terceira em mais dois.
Por hora é só.
Abraços e adièau.

PS.: Calendário atualizado. Essa semana, sem jogo por falta de quórum.

Aldenor disse...

Bolei!
Adam vai pagar!!!! Vou cortar os braços, as pernas e deixá-lo VIVO!!! Maldito!!!!!

R-E-N-A-T-O disse...

Caralho! Coitada da paladina, doida pra copular e é morta. hahaha
Foda o conto. Parabéns.

Capuccino disse...

Paladina safada! XD

Foda ao conto, poste logo as outras partes, porra.

2 dias é mta coisa =p