terça-feira, 2 de junho de 2009

Aurora Carmesim - Prólogos, parte 11


Ano 633

Martelando, seu coração o acorda e sua respiração sai em grandes austos. Ele sua, por mais improvável que isso pareça. Isso lhe nunca ocorrera em seus 3200 anos de vida.
Caminhou por seu covil com a mente trabalhando a mil. O que era esse chamado que ainda reverberava fundo em sua alma? Quem o fizera? Havia uma guerra lá fora e ele não estava interessado em participar. Ele já havia recusado o chamado de seu deus, quem ousaria convocá-lo novamente?
Reverteu à forma humanóide com uma pensamento e atravessou uma porta esculpida numa das paredes. Runas povoavam toda a superfície da entrada e emitiram um brilho torpe assim que a porta se fechou por completo.

Gaasyendiethabrasax sempre maravilhava-se ao entrar, esse era um lugar de poder que existia muito antes de seu pai caminhar por Arton. Todo o local rescendia a algo antigo, muito mais atingo do que ele próprio puderia imaginar. Caminhou até o centro da caverna fitando o chão coberto de inscrições arcanas, formando os mais diversos desenhos. Um círculo maior, logo após um quadrado, um triângulo e no centro exato da sala - e dos desenhos - um outro círculo, com um trono, um altar e uma pequena tina sobre ele. Instintivamente sabia o que fazer antes mesmo de lembrar o que seria feito. A magia ancestral pulsava em seu sangue e conduzia seus passos, desenhando nos recôndidos de sua mente as palavras e gestos que abririam a porta.

Ao sentar-se foi arrebatado por um sentimento pesado, intenso, malévolo. A dor da derrota, a fúria de ser enganado, a frustração pelo fim do jogo. "Ele perdeu." - escapou de seus lábios antes mesmo que pudesse atentar. Não sabia que tipo de punição seu deus e os outros incorreriam mas seu pai contava histórias de morte e chacina, desolação e medo por transgredir a lei divina. Era hora de apressar-se e saber o que clamava seu nome tão intensamente, quem necessitava tanto de sua presença.
Sentou-se no trono e esticou o punho sobre a tina, rasgando a frágil pele com sua unha afiada. O líquido vermelho fluiu espesso, carregando o peso de anos para dentro daquele receptáculo. Guturalmente, sons fluiam de sua boca enquanto o sangue era derramado e a cada momento, em cada respiração, uma runa se acendia concedendo à sala um brilho rubro, fantasmagórico, medonho.

O sangramento cessara com a mesma facilidade de um arranhão e seus dedos já passeavam pela superfície do líquido precioso. Traçando desenhos, letras, runas, calmamente liberando o poder dentro de si. Os olhos chamejaram de ira e seu pecado o conduziu até o fim do ritual. Gritou em desafio, pintou-se para guerra, rugiu ameaças, liberou seu demônio mais detestável e vociferou as palavras finais: "Ejas rebaot o rtoaop, euq emu guneas nopserda oa achmaod!".
E seu sangue respondeu.
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Eram nove.
Cada um representando seu clã, sua linhagem sangüínea, aguardando o último convocado. Estavam reunidos em um local além do tempo, além da realidade, forjado pela vontade deles especialmente para o encontro. Em comum, apenas a rejeição ao chamado de Kallyadranoch para sua guerra patética. Numa reunão infame, azul, verde, negro, branco, marinho, dourado, prateado, cúprico e oricalco punham de lado vontades conflitantes para, enfim, negociar.

Gaast atendera por último e sua chegada marcava o início dos debates. O vermelho caminhou até o círculo incompleto e ocupou seu lugar instintivamente. Todos empoleirados no mesmo nível e à mesma distância, indicando que eram iguais naquele lugar. Não eram os mais poderosos de suas linhagens porém foram os mais antigos a rejeitar o chamado de deus. Toda a raça marchara para a guerra ao lado dos revoltosos e apenas uns poucos mantiveram seu rancor antigo contra os deuses de lado. Esses sobreviveriam. Esses erigiriam novas regras e leis. Esses não estavam aqui.

Os dez répteis competiam até mesmo pelo privilégio da primeira palavra. Nenhum deles se daria ao luxo de fraquejar diante dos irmãos, nenhum deles seria fraco de admitir que não sabia o motivo de terem sido chamados aqui.

Se adiantando, um grande azul chamado Xiucoahtl tomou a palavra para escárnio geral e bradou: "Eu os convoquei aqui, meus inglórios irmãos. Tenho um acordo e uma proposta além de uma informação e um pedido. Quem quiser ouvir que fique."
O som das outras nove vozes preencheu o ambiente como uma onda enquanto Xiucoahtl permanecia impassível como uma rocha, ereto no meio do círculo. Lentamente as vozes começaram a morrer e todos continuaram onde estavam - a idade trouxe sabedoria mas a curiosidade ainda era forte naqueles seres.

- Eu vim a vocês como ancião de minha linhagem. Vôo por Arton a mais de cinco mil anos e o que vislumbro agora me deixa perplexo. Existem histórias entre sobre a última rebelião de Kallyadranoch. O que resultou dessa ameaça foi destruição, sangue e infâmia. Os humanóides e seus deuses nos taxaram de monstros e viramos troféus, meros reservatórios de fama, glória, ouro, jóias e itens que colecionamos com tanto apreço. Eles influenciam os bípedes e eles nos tornam caça. Mesmo os que descendem de nós, os que possuem nosso sangue correndo em suas veias, muitas vezes se voltam contra nós apenas por fama e glória.

- Mas agora vai ser diferente. Kallyadranoch vai tomar o panteão e seremos tratados com a velha reverência que merecemos. Subjugaremos novamente Arton - adiantou-se Herensuge, o verde. Ele não possuía um dos olhos e seu torso era entrecortado de cicatrizes do lado direito.

- Para vocês, meu primeiro presente: informação. Nosso deus falhou em seu golpe final. Fora enganado pelo panteão, subjugado em batalha e derrotado. Sua punição ainda me é desconhecida porém, conhecendo o modus operandi do panteão, todos sofreremos.

- Não é possível, Kallyadranoch possui o poder! - esbravejou um exaltado Ehecatladon, o marinho.

- Sim, mas nem tudo é poder. Nem tudo se resolve pela força e pela vontade. - disse o azul, talhando um sorriso na face do negro - Todos vocês são os mais antigos de sua linhagem agora, à excessão dos reis. Seus pais e mães pereceram ou perecerão em breve nas mãos dos deuses e seus devotos. Os que atenderam ao chamado serão exterminados caso não tenham poder para fugir a tempo. Agora deixo aqui meu pedido: Não atendam ao chamado por ajuda. Eles merecem morrer caso se mostrem fracos. O que tenho a lhes oferecer os tornará maiores e melhores. Superiores entre os dragões.

- Não podemos deixar nossos irmãos à mercê dos bípedes e seus guerreiros. Somos uma raça, antes de tudo! - chamejou Jörmungandr, o branco, olhando todos nos olhos ofídios. Ninguém desviou o olhar mas ninguém fez menção de concordar.

- Para sobreviver teremos que nos mostrar superiores até mesmo aos nossos pares. Vocês foram considerados dignos por mim para conhecer o segredo. Não me desapontem.

Caminhando ao redor do círculo ele quase pôde tocar a selvageria, a determinação, a ambição presente ali. Predadores acima de tudo, essa era a realidade. Ofereça uma vantagem e eles farão de tudo para conseguí-la. Assim vamos dominar Arton, ter sucesso onde um deus falhou.
Completando a volta ele retornou a seu lugar na formação, empertigando-se ao máximo.

- Agora vem a proposta senhores, seguida do acordo.

O silêncio era opressor. Apenas as respirações entrecortadas dos grandes predadores se fazia presente. Toda a atenção estava voltada ao azul.

- Em minhas pesquisas esbarrei com partes de um ritual antigo, cuja origem remete a tempos imemoriais e a criaturas divinas. Passei dois mil anos coletando partes e pistas, deduzindo e experimentando, montando o quebra-cabeças colossal que foi colocado em meu caminho pela sorte. Tal ritual permitia a uma criatura, desde que abrisse mão de seu potencial mágico inato, influenciar, controlar, imbuir e rastrear qualquer criatura vivente, nesse plano e em qualquer outro. Permitia ainda estender esse controle às criaturas posteriormente dominadas pelas marionetes inciais, criando uma rede de poder invisísel e gigantesca.

- O que nos garante que você não está utilizando-se desse "poder" agora mesmo, nos dominando sem que saibamos? - sibilou finalmente Lonagendraweic, o negro.

- Por que, por mais irônico que pareça, eu preciso de vocês para o ritual inicial. Ele vem do poder do sangue e, sendo realizado por criaturas divinas apenas, não possuo o poder necessário para fazê-lo. Mas nós dez, juntos, poderemos.

Novamente a sala é soterrada por ameaças e indagações. "Mentes medíocres" pensa o azul, "Não vislumbram a beleza da situação. Pelo visto, terei de destrinchar todo o plano à minha maneira, para que eles engulam."

- Calem-se! - brada novamente o azul, conseguindo silêncio - Agora trago a vocês a proposta. Realizaremos o ritual, unidos como um, e conseguiremos esse poder. Teremos que abrir mão da magia no sangue, mas não da capacidade mágica real, para termos sucesso. Ensinarei a vocês o segredo e vocês realizarão mais e mais rituais, trazendo outros para a mesma condição, impondo o controle a mais e mais dragões.

Chamas espalharam-se por olhos e sorrisos. Poder. A roda que move a vida, a história. Eles teriam mais e mais, a cada dia.

- Mas antes da resposta à minha proposta, preciso que seja feito o acordo. Desejo que sejam impostas leis imutáveis e inquebráveis que rejam a conduta dos conhecedores do segredo. Proponho a vocês que seja como um jogo. Uma disputa de influências, acordos, barganhas e movimentos. Eu conheço cada um de vocês e vocês conhecem-se uns aos outros. A lei impediria que atraiçoássemos nossos pares e nos manteria vivos para o prêmio final. Arton.

Ele conhecia cada índole presente naquele espaço. Já havia iniciado o ritual e eles nem sequer se davam conta disso. Eles discutiriam, aprovariam e rejeitariam regras, prêmios e punições e no fim, listariam "A Lei". Concordariam até que fosse realizado o ritual em si, e depois trairiam suas próprias palavras, pela chance de matar seu semelhante e concorrente. Mas, ao concordar em uníssono, aceitariam a lei perante o ritual e estariam selando o início do Grande Jogo.
Um sorriso escapou dos lábios do azul e logo ele entrou na discussão que inciara-se e levaria dias.
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- Eu concordo! - reverberaram todas as vozes em uníssono.

- Então temos um acordo irmãos, podemos inciar a transformação, a evolução.

E eles começaram o ritual, seguindo as instruções de Xiucoahtl. Todos reverteram à forma embrionária e todos renasceram, tão velhos quanto antes porém melhores do que nunca.
Ao notar a expressão feroz nos olhos dos irmãos Xiucoahtl sibilou, audível a todos:

- Vocês notaram que o laço que nos une, que a Lei que nos rege é inquebrável. O ritual já havia se inciado nas discussões prévias e quando todos concordaram, a Lei fora estabelecida. Conheço vocês tão bem quanto a mim próprio, não permitiria nunca ser traído. Agora todos fazemos parte de algo maior e sabemos qual é o prêmio final. Adeus a todos, espero tê-los sob meu controle logo. - um sorriso selvagem tomou conta de sua face - Que os jogos começem...

E Xiucoahtl sumiu, seguido por todos um átimo de segundo depois.
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Gaast estava outra vez em seu covil e se sentia diferente, esgotado. Perdera algo precioso, o preço pelos seus recém-adquiridos dons, mas ainda era capaz aprender, de ser melhor. Vasculhou sua extensa biblioteca em busca de uma seção específica e depois de alguns minutos, a encontrou. Lá estavam eles, relíquias de conquistas antigas, tesouros inomináveis que trariam mais algumas ferramentas a seu leque de possibilidades.

Sacou duas dezenas de livros da estante dispondo-os em três pilhas distintas. Apanhou o primeiro livro, grande como uma mesa, grosso feito um cachorro, e o abriu. No escuro, as letras douradas de caligrafia rebuscada ficaram visíveis apenas por um instante, revelando o título do livro: "Fundamentos da Magia Élfica".

E Gaast leu e aprendeu. Por décadas.

6 comentários:

S i n n e r disse...

Olla senhores, com esse post eu viabilizo a utilização do antagonista "Dragons of the Great Game", conforme descrito no Monster Manual V. Como a própria descrição prevê, essa "organização" possui uma extensa rede de contatos, favorecidos e aliados, sendo dragões uma pequena parte da pirâmide - e sempre o topo. Inserindo esse antagonista - e em breve outros - em Arton eu dou o pontapé inicial na criação de seres/organizações épicas para interação com os PC`s da nossa campanha. Distribuídos nos posts posteriores estarão mais algumas que tenho em mente, quase sempre em resposta a um grande evento/trauma da históry line de Arton.
Planejo esmiuçar tais organizações na sessão "Córneos", mas para fichas e especificações técnicas apuradas eu preciso de mais material - o qual só terei acesso quando descer.
Por hora é só e amanhã mais um capítulo de Aurora Carmesim.
Abraços e adièau

R-E-N-A-T-O disse...

Gostei! Sempre bom abrir o leque de antagonistas do jogo.

Com meu intelecto superior decifrei o anagrama da frase mágica dita pelo dragão azul Gaasyendiethabrasax: "Seja aberto o portão, que meu sangue responda ao chamado!"

UHAUHAUuhuauhau...

Capuccino disse...

E eu pensando que era latim ou alguma lingua doida dessas... AHuAHuA =p


Matar dragões sempre é bom =)

Dudu disse...

Será que eu entendo Protagonistas??

Ser dragão é sempre bom =)

Aldenor disse...

Dragão bom é dragão morto!

S i n n e r disse...

Pois é, nenhuma língua estranha... só um anagrama simples mesmo (que os intelectos superiores como o do Renato podem decifrar em segundos auhauhauahuahaua), uma idéia interessante que tirei de um site que publica histórias em quadrinhos de fantasia medieval (as aventuras de um bárbaro amante de Shakespeare e um mago medroso e mau-caráter).
Penso inclusive em exigir dos magos que percam um tempinho fazendo anagramas das palavras mágicas (impedindo o hamla hamla hamala tão odiado por Capuuto) que utilizam nas suas magias, melhorando um pouco o roleplay ^^
Agora com vocês, mais um capítulo de Aurora Carmesim.
Abraços e adièau