Valag
15, Weez, 1410 CE.
Está muito claro para mim e
para o leitor (eu espero) que este começo de aventura foi demasiadamente
importante para o desenvolvimento técnico do grupo inteiro. O que quero dizer
com “desenvolvimento técnico”? Explico: basicamente, as habilidades individuais
de cada um melhoraram com o passar dos dias, dos meses. Desde que saí de casa
em 8 de Dantal passaram-se um pouco mais de dois meses na estrada. Se no começo
pessoas como Nathaniel mal conseguiam disparar um míssil mágico antes de
cansar, Drake era apenas uma cara lento que jamais conseguia acertar os nossos
inimigos e eu mal tive a oportunidade de lutar com minha katana, agora nós tínhamos
melhorado muito.
Nathaniel era capaz de conjurar
várias magias em segundos. Curava razoavelmente bem e acharíamos que era muito
se não fosse ofuscado por Castiel e sua ocarina inspiradora. Drake agora estava
mais bem equipado com uma armadura completa, de metal resistente e um grande
escudo reluzente. Seu martelo mágico agora estava mais forte e tinha uma
propriedade especial de não ferir mortalmente seus inimigos. Era uma espécie de
“misericórdia”. Drake não precisava mais se conter. Batia com toda a força,
invocando os poderes de Thyatis, e a propriedade mágica da arma garantia que o
ferimento apenas atordoaria, no máximo desmaiaria o alvo. Fora ele, todos nós,
como Elinia, Victor e Blasco melhoramos bastante em nossas capacidades. Eu
mesmo aprendi a me movimentar muito mais, a desviar de vários golpes com mais
propriedade e a aparar com precisão. Meus ataques também estavam cada vez mais
fortes. Se no começo eu não estava no nível de Gulsh, o orc e seu enorme
machado, naquela metade de Weez eu acreditava ter o mesmo nível que ele. Minha
perícia com a katana não parava de aumentar.
Mas o que mais marcou minha
vida neste dia foi outra capacidade que eu desenvolvi. Esta, de fato, foi o
início de tudo, aquilo que meu avô havia previsto em seus rituais quando era
vivo. O motivo pelo qual minha mãe me ensinou dracônico e o conhecimento
teórico de magia. Neste dia eu havia desenvolvido poder mágico. Àquela altura,
somente Victor e Blasco não eram capazes de conjurar mágica.
Antes de continuar nesse
sentido, preciso relatar o que aconteceu anteriormente.
Havíamos pegado um barco e
sofrido um pequeno atraso, parando em uma ilha misteriosa, cheia de efeitos
malucos. Encontramos cães do inferno logo no começo do dia em que aportamos e
Elina achou uma caverna para descansarmos.
Valkaria é uma deusa de humor
bastante inconstante, eu imagino. Pois a caverna que deveríamos descansar era
uma masmorra clássica que os bardos adoram cantar em suas performances sobre
heróis e suas aventuras. Havia monstros, até mesmo uma chata quimera. Um bicho
com cabeça de leão, bode e dragão. Nem preciso dizer que a cabeça de dragão
cuspia um sopro típico dessas criaturas. Como era uma cabeça de dragão verde
(ou negra?), havia ácido sobre nós. Também enfrentamos criaturas humanoides feitas
somente de pedra. Suspeitei que eram elementais da terra. Saber disso não fazia
muita diferença. Era horrível bater numa pedra. Sentia-me como se destruísse o
fio de minha linda katana.
E, para completar, havia a
porcaria de um qareen feiticeiro. O desgraçado parecia louco e nos atrapalhou
muito. Não houve muita conversa. Ele riu, falou bobagens e logo começamos a
matança. Desde muito tempo atrás eu sentia que caminhávamos uma trilha meio que
sem volta, cheia de matanças e outras coisas que eu não me orgulharia em dizer.
No fim foi Victor quem nos
surpreendeu agindo como um maluco. Havíamos encontrado algumas pilastras
obviamente mágicas, mas antes que pudéssemos fazer alguma análise, Victor se
meteu no meio delas para “averiguar” ele mesmo. Ora, o que um pescador poderia
saber sobre magia? De qualquer forma, ele sumiu. Aquilo era um círculo de
teletransporte. Ou talvez um portal. Jamais saberemos.
Como ele havia desaparecido,
não tivemos escolha a não ser segui-lo. Como deixar um companheiro para trás?
Mas fiquei encucado com aquela atitude. Por que isso havia acontecido? De
qualquer forma, entramos e desaparecemos também.
Será que o leitor pode
adivinhar aonde fomos parar?
Em uma cadeia, é claro. Uma
prisão com grades de adamante. Sim. ADAMANTE. O lugar não era simplório e o
dono daquela masmorra (agora, no sentido literal da palavra) não estava para
brincadeira. Havia um qareen e um humano na outra cela. Tentamos arrumar
informação com eles, mas era inútil. Aparentemente eles estavam ali depois de
entrarem eles mesmos naquela ilha esquisita. Outra curiosidade no momento foi
que notamos o desaparecimento de Harell, o arqueiro calado. Muitas coisas
poderiam ter acontecido com ele. O efeito mágico pode ter sofrido alguma
interferência por algo e o levado para outro lugar. A interferência poderia ser
aleatória ou provocada. Não sabíamos nada sobre a vida dele para sabermos se
havia algum inimigo oculto. Enfim, não podíamos fazer nada e como o grupo
estava obsessivo demais na missão e como já havíamos decidido abandonar
Patrick, eu apenas dei de ombros, sabendo que não íamos fazer nada em relação
ao sumiço de Harell também.
Algo invisível entrou na
prisão.
A cela de Nathaniel abriu e ele
caiu desacordado. Não ouvimos as palavras mágicas que provocaram o desmaio do
nosso companheiro, mas certamente era algo mágico. Nathaniel fora arrastado e
logo sumiu. Ficamos perplexos. Uma coisa era perdemos Harell numa problemática
mágica. Até porque não ligávamos muito para ele. Outra coisa era perder
Nathaniel, nosso sábio clérigo e mago da deusa da magia. Elinia, então,
demonstrou o resultado desses quase três meses de aventuras.
Ela se tornou um gorila. A
capacidade de se transformar em animal era algo incrível. Lembro-me de ter
ficado com o queixo aberto por algum tempo. Ela tentou primeiramente,
arrebentar as grades, mas não conseguiu. Afinal, adamante é adamante, oras.
Depois virou uma cobra gigante e conseguiu passar por entre as grades e ficou à
espreita para uma possível volta do ser invisível que levara Nathaniel.
Mas quem apareceu fora uma
mulher. Vestia um robe aveludado longo amarrado na cintura. Eram cores neutras
com alguns detalhes diversos. Uma maga, eu podia dizer. Elina surgiu fora das
celas e se transformou em um gorila novamente. Achei que ia acontecer um embate
ali, mas acabou que não foi preciso. A mulher queria nos libertar.
Saímos com teletransporte para
a capital de Wynlla, o Reino da Magia. Lar de Nathaniel. E foi lá que
descobrimos que ele havia sido preso por sua ordem. Foi uma grande surpresa, um
grande choque. O velho clérigo e mago de Wynna havia saído de sua terra natal
para Sckharshantallas para investigar o desaparecimento de magos pela região.
Acontece que ele ignorou completamente sua missão quando nos conheceu. Decidiu
nos acompanhar e acabou se envolvendo em uma missão divina “mais importante”.
Claro que não falamos o teor de nossa missão para aquela mulher nem para o
sacerdote superior da igreja que nos encontrávamos no momento. Tentamos
interceder por Nathaniel (que seria julgado dentro em breve), mas foi em vão.
Então, mais uma vez, o grupo
deu de ombros.
Cada vez mais, um a um de nós
ia ficando pelo caminho. E eu comecei a achar que a obsessão pela missão fazia a
gente ser insensível em relação uns com os outros. Exceto por eu, Blasco e
Victor, que desenvolvemos uma espécie de amizade baseada na camaradagem que
surgiu durante as lutas, o restante de nós não se importava muito uns com os
outros.
E eu não culpo ninguém por
isso. A missão divina era um fardo muito grande. A sua importância era tanta
que era difícil pensar nos problemas individuais de cada um como algo
comparável. Ou seja, cada um de nós deixou um pouco de lado nossa individualidade
para seguir a vontade dos deuses. E isso se refletiu nas nossas relações
pessoais de dia a dia. Aliás, que dia a dia? Nossa rotina era acampar quando o
sol se escondia e viajar quando se mostrava. Conversas triviais? Nulas. Exceto
pelo nosso trio. Quando eu e Blasco morremos, não pude constatar nada (por
motivos óbvios), mas a morte de Elina foi tratada de forma trivial demais. Além
de termos dado sua vida à corruptela lefeu, nós prosseguimos como se nada
tivesse acontecido. Sim, descobrimos (graças ao sacerdote mago) que ela estava
afetada pela corrupção e provavelmente morreria em uma questão de tempo
indeterminado. Ele ainda teve a cara de pau de nos orientar a buscar alguém
mais entendido do assunto, como Reynard. Sim, como se ele fosse alguém tão
acessível assim.
Tentei argumentar com o grupo
(longe dos ouvidos dos sacerdotes e magos de Wynna) para tentar resgatar
Nathaniel de uma forma espetacular e emocionante, que os bardos cantariam por
anos. Mas fui ignorado e tratado como inocente. Talvez até fosse. Talvez até
não tivéssemos força para tal. Mas não tentamos e isso me corroeu por muito
tempo.
Recebemos uma missão da tal
maga que nos libertou. Em troca de nossa fuga, ela pediu para que pegássemos uma
joia qualquer (não me interessei pelos detalhes, já havia gente demais prestando
atenção) numa escola de magia qualquer abandonada. Uma ruína cheia de
mortos-vivos. Dei de ombros. Mais uma missão colateral, como foi a inútil
viagem para Lamnor.
Viajamos. Chegamos ao lugar. A
construção era demasiadamente simples, em minha opinião. Comparada com a
verdadeira fachada da Academia Arcana, aquilo parecia um bordel. Entramos de
dia, pois nos julgávamos bem sábios e espertos. Apenas para perceber que nada
acontecia pela manhã. A magia misteriosa surgia à noite.
Entramos cuidadosos com luz
mágica, esperando qualquer tipo de zumbi, esqueleto e até mesmo fantasma. Eu
sabia que fantasmas eram imunes a qualquer arma não-mágica. Não sei se por
isso, mas quando me dei por mim, eu sabia conjurar alguma magia. De tanto ver
Nathaniel e Patrick usarem, eu percebi ser capaz de lançar mísseis mágicos.
Sentia a energia arcana fluir pelo meu corpo e, sabendo das palavras, consegui
materializar a capacidade de conjuração. Aprendi também a fazer uma armadura
translúcida que me auxiliaria bastante. Com esta magia, eu me sentia muito mais
protegido.
Então, vieram os primeiros monstros.
Eram como zumbis, mas tinham vários insetos nojentos brotando na pele pútrida
como se fossem furúnculos. Desviei deles com facilidade. Também, eu avançava,
atacava (e praticamente destruía um com um golpe) e me afastava a tempo de
evitar uma saraivada desses nojos. Minha katana cortou com graça cada monstro
bizarro daqueles. No fim, acredito que alguns de nós ficamos infectados.
Depois de destruir os infectos,
descemos por um buraco no chão em uma sala que tinha uma poltrona. Andamos por
um túnel e encontramos uma sala grande com uma gosma vermelha no fundo. A
luminosidade local estava toda avermelhada contribuindo para o clima nada
agradável do lugar.
A porcaria da gosma ergueu e
Castiel constatou ser um construto da Tormenta. Um monstro inanimado feito de
objetos inúteis colados por matéria vermelha. Não pestanejamos (se pestanejássemos
também seria o cúmulo. Não perdíamos tempo em matar quem quer que fosse, como poderíamos
fazê-lo com um monstro da Tormenta?) e investimos. Nossos ataques foram inúteis,
sequer arranhamos os bichos. Com duas pancadas, Drake caiu desacordado. Aquilo
foi um sinal. Se o paladino de Thyatis, com sua armadura e escudo reluzentes
não foi páreo para suportar os golpes da criatura, ninguém ali teria salvação.
Castiel tocou sua ocarina e fez o monstro titubear. Foi nossa deixa. Fugimos
por uma porta secreta em meio à matéria vermelha (e ácida!) encontrada por
alguém (eu que não fui).
O que nos esperava por lá?
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