sexta-feira, 4 de abril de 2014

Diário de Aldred C. Maedoc III - Parte 15 e 16

Valag 15, Weez, 1410 CE.

Está muito claro para mim e para o leitor (eu espero) que este começo de aventura foi demasiadamente importante para o desenvolvimento técnico do grupo inteiro. O que quero dizer com “desenvolvimento técnico”? Explico: basicamente, as habilidades individuais de cada um melhoraram com o passar dos dias, dos meses. Desde que saí de casa em 8 de Dantal passaram-se um pouco mais de dois meses na estrada. Se no começo pessoas como Nathaniel mal conseguiam disparar um míssil mágico antes de cansar, Drake era apenas uma cara lento que jamais conseguia acertar os nossos inimigos e eu mal tive a oportunidade de lutar com minha katana, agora nós tínhamos melhorado muito.

Nathaniel era capaz de conjurar várias magias em segundos. Curava razoavelmente bem e acharíamos que era muito se não fosse ofuscado por Castiel e sua ocarina inspiradora. Drake agora estava mais bem equipado com uma armadura completa, de metal resistente e um grande escudo reluzente. Seu martelo mágico agora estava mais forte e tinha uma propriedade especial de não ferir mortalmente seus inimigos. Era uma espécie de “misericórdia”. Drake não precisava mais se conter. Batia com toda a força, invocando os poderes de Thyatis, e a propriedade mágica da arma garantia que o ferimento apenas atordoaria, no máximo desmaiaria o alvo. Fora ele, todos nós, como Elinia, Victor e Blasco melhoramos bastante em nossas capacidades. Eu mesmo aprendi a me movimentar muito mais, a desviar de vários golpes com mais propriedade e a aparar com precisão. Meus ataques também estavam cada vez mais fortes. Se no começo eu não estava no nível de Gulsh, o orc e seu enorme machado, naquela metade de Weez eu acreditava ter o mesmo nível que ele. Minha perícia com a katana não parava de aumentar.
Mas o que mais marcou minha vida neste dia foi outra capacidade que eu desenvolvi. Esta, de fato, foi o início de tudo, aquilo que meu avô havia previsto em seus rituais quando era vivo. O motivo pelo qual minha mãe me ensinou dracônico e o conhecimento teórico de magia. Neste dia eu havia desenvolvido poder mágico. Àquela altura, somente Victor e Blasco não eram capazes de conjurar mágica.
Antes de continuar nesse sentido, preciso relatar o que aconteceu anteriormente.
Havíamos pegado um barco e sofrido um pequeno atraso, parando em uma ilha misteriosa, cheia de efeitos malucos. Encontramos cães do inferno logo no começo do dia em que aportamos e Elina achou uma caverna para descansarmos.
Valkaria é uma deusa de humor bastante inconstante, eu imagino. Pois a caverna que deveríamos descansar era uma masmorra clássica que os bardos adoram cantar em suas performances sobre heróis e suas aventuras. Havia monstros, até mesmo uma chata quimera. Um bicho com cabeça de leão, bode e dragão. Nem preciso dizer que a cabeça de dragão cuspia um sopro típico dessas criaturas. Como era uma cabeça de dragão verde (ou negra?), havia ácido sobre nós. Também enfrentamos criaturas humanoides feitas somente de pedra. Suspeitei que eram elementais da terra. Saber disso não fazia muita diferença. Era horrível bater numa pedra. Sentia-me como se destruísse o fio de minha linda katana.
E, para completar, havia a porcaria de um qareen feiticeiro. O desgraçado parecia louco e nos atrapalhou muito. Não houve muita conversa. Ele riu, falou bobagens e logo começamos a matança. Desde muito tempo atrás eu sentia que caminhávamos uma trilha meio que sem volta, cheia de matanças e outras coisas que eu não me orgulharia em dizer.
No fim foi Victor quem nos surpreendeu agindo como um maluco. Havíamos encontrado algumas pilastras obviamente mágicas, mas antes que pudéssemos fazer alguma análise, Victor se meteu no meio delas para “averiguar” ele mesmo. Ora, o que um pescador poderia saber sobre magia? De qualquer forma, ele sumiu. Aquilo era um círculo de teletransporte. Ou talvez um portal. Jamais saberemos.
Como ele havia desaparecido, não tivemos escolha a não ser segui-lo. Como deixar um companheiro para trás? Mas fiquei encucado com aquela atitude. Por que isso havia acontecido? De qualquer forma, entramos e desaparecemos também.
Será que o leitor pode adivinhar aonde fomos parar?
Em uma cadeia, é claro. Uma prisão com grades de adamante. Sim. ADAMANTE. O lugar não era simplório e o dono daquela masmorra (agora, no sentido literal da palavra) não estava para brincadeira. Havia um qareen e um humano na outra cela. Tentamos arrumar informação com eles, mas era inútil. Aparentemente eles estavam ali depois de entrarem eles mesmos naquela ilha esquisita. Outra curiosidade no momento foi que notamos o desaparecimento de Harell, o arqueiro calado. Muitas coisas poderiam ter acontecido com ele. O efeito mágico pode ter sofrido alguma interferência por algo e o levado para outro lugar. A interferência poderia ser aleatória ou provocada. Não sabíamos nada sobre a vida dele para sabermos se havia algum inimigo oculto. Enfim, não podíamos fazer nada e como o grupo estava obsessivo demais na missão e como já havíamos decidido abandonar Patrick, eu apenas dei de ombros, sabendo que não íamos fazer nada em relação ao sumiço de Harell também.
Algo invisível entrou na prisão.
A cela de Nathaniel abriu e ele caiu desacordado. Não ouvimos as palavras mágicas que provocaram o desmaio do nosso companheiro, mas certamente era algo mágico. Nathaniel fora arrastado e logo sumiu. Ficamos perplexos. Uma coisa era perdemos Harell numa problemática mágica. Até porque não ligávamos muito para ele. Outra coisa era perder Nathaniel, nosso sábio clérigo e mago da deusa da magia. Elinia, então, demonstrou o resultado desses quase três meses de aventuras.
Ela se tornou um gorila. A capacidade de se transformar em animal era algo incrível. Lembro-me de ter ficado com o queixo aberto por algum tempo. Ela tentou primeiramente, arrebentar as grades, mas não conseguiu. Afinal, adamante é adamante, oras. Depois virou uma cobra gigante e conseguiu passar por entre as grades e ficou à espreita para uma possível volta do ser invisível que levara Nathaniel.
Mas quem apareceu fora uma mulher. Vestia um robe aveludado longo amarrado na cintura. Eram cores neutras com alguns detalhes diversos. Uma maga, eu podia dizer. Elina surgiu fora das celas e se transformou em um gorila novamente. Achei que ia acontecer um embate ali, mas acabou que não foi preciso. A mulher queria nos libertar.
Saímos com teletransporte para a capital de Wynlla, o Reino da Magia. Lar de Nathaniel. E foi lá que descobrimos que ele havia sido preso por sua ordem. Foi uma grande surpresa, um grande choque. O velho clérigo e mago de Wynna havia saído de sua terra natal para Sckharshantallas para investigar o desaparecimento de magos pela região. Acontece que ele ignorou completamente sua missão quando nos conheceu. Decidiu nos acompanhar e acabou se envolvendo em uma missão divina “mais importante”. Claro que não falamos o teor de nossa missão para aquela mulher nem para o sacerdote superior da igreja que nos encontrávamos no momento. Tentamos interceder por Nathaniel (que seria julgado dentro em breve), mas foi em vão.
Então, mais uma vez, o grupo deu de ombros.
Cada vez mais, um a um de nós ia ficando pelo caminho. E eu comecei a achar que a obsessão pela missão fazia a gente ser insensível em relação uns com os outros. Exceto por eu, Blasco e Victor, que desenvolvemos uma espécie de amizade baseada na camaradagem que surgiu durante as lutas, o restante de nós não se importava muito uns com os outros.
E eu não culpo ninguém por isso. A missão divina era um fardo muito grande. A sua importância era tanta que era difícil pensar nos problemas individuais de cada um como algo comparável. Ou seja, cada um de nós deixou um pouco de lado nossa individualidade para seguir a vontade dos deuses. E isso se refletiu nas nossas relações pessoais de dia a dia. Aliás, que dia a dia? Nossa rotina era acampar quando o sol se escondia e viajar quando se mostrava. Conversas triviais? Nulas. Exceto pelo nosso trio. Quando eu e Blasco morremos, não pude constatar nada (por motivos óbvios), mas a morte de Elina foi tratada de forma trivial demais. Além de termos dado sua vida à corruptela lefeu, nós prosseguimos como se nada tivesse acontecido. Sim, descobrimos (graças ao sacerdote mago) que ela estava afetada pela corrupção e provavelmente morreria em uma questão de tempo indeterminado. Ele ainda teve a cara de pau de nos orientar a buscar alguém mais entendido do assunto, como Reynard. Sim, como se ele fosse alguém tão acessível assim.
Tentei argumentar com o grupo (longe dos ouvidos dos sacerdotes e magos de Wynna) para tentar resgatar Nathaniel de uma forma espetacular e emocionante, que os bardos cantariam por anos. Mas fui ignorado e tratado como inocente. Talvez até fosse. Talvez até não tivéssemos força para tal. Mas não tentamos e isso me corroeu por muito tempo.
Recebemos uma missão da tal maga que nos libertou. Em troca de nossa fuga, ela pediu para que pegássemos uma joia qualquer (não me interessei pelos detalhes, já havia gente demais prestando atenção) numa escola de magia qualquer abandonada. Uma ruína cheia de mortos-vivos. Dei de ombros. Mais uma missão colateral, como foi a inútil viagem para Lamnor.
Viajamos. Chegamos ao lugar. A construção era demasiadamente simples, em minha opinião. Comparada com a verdadeira fachada da Academia Arcana, aquilo parecia um bordel. Entramos de dia, pois nos julgávamos bem sábios e espertos. Apenas para perceber que nada acontecia pela manhã. A magia misteriosa surgia à noite.
Entramos cuidadosos com luz mágica, esperando qualquer tipo de zumbi, esqueleto e até mesmo fantasma. Eu sabia que fantasmas eram imunes a qualquer arma não-mágica. Não sei se por isso, mas quando me dei por mim, eu sabia conjurar alguma magia. De tanto ver Nathaniel e Patrick usarem, eu percebi ser capaz de lançar mísseis mágicos. Sentia a energia arcana fluir pelo meu corpo e, sabendo das palavras, consegui materializar a capacidade de conjuração. Aprendi também a fazer uma armadura translúcida que me auxiliaria bastante. Com esta magia, eu me sentia muito mais protegido.
Então, vieram os primeiros monstros. Eram como zumbis, mas tinham vários insetos nojentos brotando na pele pútrida como se fossem furúnculos. Desviei deles com facilidade. Também, eu avançava, atacava (e praticamente destruía um com um golpe) e me afastava a tempo de evitar uma saraivada desses nojos. Minha katana cortou com graça cada monstro bizarro daqueles. No fim, acredito que alguns de nós ficamos infectados.
Depois de destruir os infectos, descemos por um buraco no chão em uma sala que tinha uma poltrona. Andamos por um túnel e encontramos uma sala grande com uma gosma vermelha no fundo. A luminosidade local estava toda avermelhada contribuindo para o clima nada agradável do lugar.
A porcaria da gosma ergueu e Castiel constatou ser um construto da Tormenta. Um monstro inanimado feito de objetos inúteis colados por matéria vermelha. Não pestanejamos (se pestanejássemos também seria o cúmulo. Não perdíamos tempo em matar quem quer que fosse, como poderíamos fazê-lo com um monstro da Tormenta?) e investimos. Nossos ataques foram inúteis, sequer arranhamos os bichos. Com duas pancadas, Drake caiu desacordado. Aquilo foi um sinal. Se o paladino de Thyatis, com sua armadura e escudo reluzentes não foi páreo para suportar os golpes da criatura, ninguém ali teria salvação. Castiel tocou sua ocarina e fez o monstro titubear. Foi nossa deixa. Fugimos por uma porta secreta em meio à matéria vermelha (e ácida!) encontrada por alguém (eu que não fui).

O que nos esperava por lá?

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