terça-feira, 22 de setembro de 2009

Aurora Carmesim - Prólogos, parte 13

Ano 700

A paisagem seria bela, se não fosse tão... hostil.

A água negra preenchia a região pantanosa com um ar de desespero. Vapores letais dançavam ao sabor do vento traçando espirais malignas que davam a impressão de estarem vivas. Árvores possuiam contornos pavorosos e seus pequenos habitantes emprestavam a elas uma atmosfera sombria. Aqui e ali bolhas e ondulações denunciavam a existência de coisas sob a água, coisas que deveriam permanecer lá. Tudo recendia a morte, a desolação, a toxicidade. Esse era seu lar. Não seu lar propriamente dito afinal, ele residia a um plano de distância mas era o local nessa realidade que emanava mais fortemente seu aspecto. Aqui fora gerado. Aqui tomara forma. Aqui nascera. Seu berço.

Sszzaas sorria brevemente ao relembrar o passado, enquanto seus seis olhos passeavam pela paisagem. Demorara alguns anos para que ele finalmente entendesse e outros tantos até que ele encaixasse todas as peças, de forma a valer a pena o suficiente tentar. Retornara a Arton para mover suas marionetes enquanto a poeira da revolta dos Três ainda estava alta, e acreditava que isso seria suficiente para escondê-lo até que fosse tarde demais.

Ninguém imaginaria suas ambições, ninguém seria capaz de prevê-las ou projetá-las. Ninguém a não ser a Mãe da Palavra. Felizmente ela não enxergou a beleza do que havia criado e caso aquilo ainda existisse, ela fatalmente se tornaria um problema. Mas ela tomara aquela decisão estúpida. Deixara sua mais poderosa criação em mãos espúrias e falhas.

"Patético."

Pensou e a realidade gemeu, torcendo-se à sua volta para levá-lo a outro lugar.
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Caleb ainda tremia, protegido sob o manto da escuridão. Matara, pela primeira vez na vida. Suas mãos ainda fediam ao sangue derramado, suas tripas reviravam-se dentro de sua barriga, seus olhos teimavam em rever seus últimos minutos.

Allerd era um homem bom, claro que a mais pura definição da palavra excluía praticamente todo ser vivente pensante em Arton, mas ainda assim o homem não mereceria o inferno de Leen quando morresse. Herdeiro de uma família com algumas posses, fora justo com seus pais até o fim e generoso com os irmãos na divisão após sua morte. Tinha uma esposa dedicada e um par de filhos inteligentes, os quais amava mais que a própria vida. Jamais imaginaria o que lhe abatera aquela noite.

Já anoitecia quando ele bateu à sua porta esbaforido, agitado feito uma criança que havia descoberto um segredo. Allerd ouviu atento cada detalhe, cada palavra, cada pedaço daquela trama louca que voava da boca de seu irmão.

"Como ele sabe tudo isso? O que ele quer de mim? Como ele seria capaz?"

Seu irmão viera a ele com um plano para invadir a morada de um rico casal cujo chefe da família estava fora da cidade a negócios, roubar seus pertences e levar a mulher e os filhos a fim de receber dinheiro por sua libertação. Confidenciou também que não tinha o intuito de libertá-los e que sua morte garantiria seu anonimato.

Enojado, Allerd discutiu com seu irmão e o expulsou de sua morada, mergulhando a cabeça em dúvidas sobre denunciar ou não o plano nefasto à milícia. Foi quando o frio do metal espalhou seu sangue quente pelo peito. Um aperto de ferro impedia quaisquer movimentos de reação e no auge do desespero sua audição moribunda captou um sussurro, quase uma oração: "Me perdoe irmão..."

Lágrimas brotaram de seus olhos e, ao cair no áspero piso de seu quarto de trabalho, ainda pôde vislumbrar através da bruma de sua visão a figura que o atacara. Uma última olhada denunciava a intenção que mão na maçaneta que dava para a casa corroborava. De seus lábios entreabertos uma última palavra escapou, morrendo pouco depois de nascer: "Caleb..."
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O calor causticante acentuava a desolação da paisagem.

No horizonte turvo de calor, diversos pontos escuros denunciavam o que estava nascendo ali adiante. Uma cidade. Um ajuntamento de pessoas vivendo pelo bem comum, mesmo que esse bem aparente não seja tão explícito assim.

Afinal ele fizera a lição de casa e já dera o primeiro passo para se tornar superior.

- Parece-me que a semente que plantei geminou de maneira peculiar. Isso me será ainda mais útil do que imaginei.

E caminhando calmamente, dirigiu-se à cidade.
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Por toda Arton a realidade respondia à seu mais novo morador.
Filhos roubando pais, esposas traindo cônjuges, irmão matando irmão, pais vendendo filhos. Todo ser vivo dera um passo em direção à escuridão e nem mesmo os seres inferiores resistiram ao impulso. Filhotes de cobra atraiçoando os pais, répteis trocando ovos para que aves criassem o predador em seu ninho, mamíferos comendo carcaças e filhotes.
Traição, intriga, assassínio, malícia.
Sszzaas havia chegado.

2 comentários:

Capuccino disse...

É... a onda ta tensa =pp

Daniel, finalmente encontrem inspiração pra montar o histórico do Lothgar. Farei no mesmo estilo do Thaedras, te passando por email a listagem de itens comprados e etc, como fiz.

Na proxima sessao, usarei ficha única, levarei uma pronta XD
Pra sua felicidade :D


A ideia será de que mais ou menos Lothgar era um clérigo do panteão exilado, que depois entrou ao culto de khalmyr.

Outra pergunta, feito isto tudo, devo eu postar um resumo do background na comunidade?

Vlw

Bom, até mais!

S i n n e r disse...

Olla Caputto.
Bom cara, a idéia das motivações de Lothgar cabem a você - e o fato de o personagem ter começado genérico é até interessante - mas tome cuidado com a mecânica da coisa. Não sei como funciona essa coisa de clérigo do panteão e logo depois clérigo dedicado, uma vez que o clericato em si funciona diferente em Arton (e, ainda, deve salientar da história o ponto de mudança. Aquele momento "X" em que ele optou por Khalmyr e o porque).
Todo e qualquer material para enriquecer o personagem é válido e eu agradeço o favor de me fornecer um background (touchè).
Quanto a postá-lo ou não no blog, fica a seu critério uma vez que Aldie deu uma indicação de que isso aconteceria porém ninguém se moveu nessa direção.
Por hora eu continuo aqui, tramando contra vocês e contra o mundo (agora que decidi de uma vez como será a tentativa de tomada do panteão por SSzzaas). ò.ó