Jetag
19, Luvitas, 1410 CE.
Dia 19, o dia do meu nome.
Vinte e quatro anos pisando em Arton. Bem, desconsiderando o dia em que estive
morto.
Ao abrir os olhos lentamente,
notei que já era tarde da noite. Olhei em volta, estranhando aquele cheiro
abafado e percebi estar dentro de uma tenda grande, sobre uma maca feita de
cipó e pano leve. À minha frente, vi outra maca, uma figura pequena. Ergui meu
corpo pesado e notei ser Blasco. Ele estava de olhos fechados e boca semiaberta.
Respirava lentamente, sereno. Estranhei a presença dele ali.
Sai pelo buraco entreaberto da
tenda para encarar o céu rosado do final da tarde. Estrelas brilhantes
iluminaram meu caminho até outra tenda. A esta altura, eu já sabia estar junto
do acampamento dos elfos rebeldes. Vi meu grupo reunido, discutindo e traçando
planos.
- A morte doeu? – Perguntou Harel.
Este foi meu primeiro contato no mundo dos vivos. Depois que renasci.
- Sim. – Respondi seco ao elfo
sem modos. Ele poderia ter sido muito útil na nossa contenda, mas ainda era uma
pessoa rude. Outros, como Drake, Patrick e Victor, demonstraram mais gentileza.
Gulsh pareceu não ligar muito e Castiel tinha outros pensamentos em mente.
Acredito que ele se importava, mas ao modo dele.
Quando adolescente eu já me
peguei pensando inúmeras vezes em como seria o além-vida. Quando você morre, se
tudo ocorreu bem com sua morte, você renasce em algum dos vinte Reinos dos
Deuses. Se você morreu deixando pendências ou por algum trauma, há uma boa
chance de sua alma se prender vagando pelo mundo dos vivos. Ou seu corpo
poderia adquirir uma não vida como um zumbi. Ainda bem, não foi o meu caso. Ainda
que tivesse morrido de forma traumática, aparentemente minha alma não vagou por
aí e meu corpo não se animou a sair andando por aí sem mim, em busca de
cérebros para comer.
Entretanto, apesar de ter renascido
em algum Reino Divino, eu não conseguia me lembrar de qual. Foi uma frustração
por muito tempo, até que, anos depois, através de ajuda de magia, percebi que
tinha ido à Ramknal, o Reino de Hyninn, o Deus da Trapaça e dos Ladrões. Caros
leitores, não vou me ater a estes detalhes por agora. Isto fica para outra
oportunidade.
Depois de acordar e reencontrar
o grupo, descobri o que aconteceu ao final da batalha no acampamento hobgoblin.
Drake expôs sua opinião, dizendo que o plano era bom e deveria ter sido seguido
à risca. Ou seja, deveríamos ter andado em bloco e não aberto duas frentes de
combate. Discordei, mas não tentei culpar ninguém pela minha morte. Morri por
ações escolhidas por mim, mas dentro do que fiz, foi o melhor possível. Não
tinha como saber da pontaria perfeita do capitão hobgoblin. Ou que eu não teria
a chance de ser curado por um assovio. Mas decidi não expor meu rancor no
momento e aceitei que ficasse esse ponto discordante no ar.
Descobri que Ennora, a elfa
clériga de Tanna-Toh, havia me ressuscitado através de poderosos e milagrosos
pergaminhos. Ela mesma não possuía domínio de tal poder divino para trazer
alguém do Reino dos Deuses. Foi assim que descobri também que Blasco havia
morrido e ela o havia ressuscitado também.
Segundo as histórias de
aventuras dos meus pais (que jamais morreram durante suas duas décadas de missões
perigosas), o milagre da ressurreição era bastante raro e eles mesmos só
tiveram contato com esse tipo de poder depois de uma década na estrada. Eu
posso dizer que sou um abençoado pelos deuses por ter tido contato com esse
milagre logo no meu primeiro ano de aventuras. Ou não, o fato de ter morrido no
primeiro ano pode não ter sido um bom sinal. O fato é que ressuscitar era um
efeito instantâneo. Assim que a magia divina termina de ser conjurada, você
volta à vida. Entretanto, eu acordei somente horas depois. E Blasco ainda não
havia acordado. Talvez pelo fato do milagre ter sido conjurado por um
pergaminho e não pelas próprias capacidades da clériga Ennora.
Por conta deste fato, Blasco
ficou de fora de nossa próxima contenda.
Seguimos viagem o dia seguinte,
ainda amargurados pela experiência ruim no combate no acampamento hobgoblin.
Drake acreditava, imutável, que estava certo em sua ação. Eu o via como um
cabeça dura que ainda nos colocaria em grandes perigos. Mas talvez fosse algo
muito exagerado na minha cabeça. Portanto, tentei não pensar muito nisso. Eu
estava vivo novamente, estava numa missão dos deuses e queria terminar logo com
isso.
Como havia dito anteriormente,
agora faltava a segunda parte de nossa missão. Atrás de uma enorme cachoeira,
havia uma caverna antiga e ocupada por uma raça desconhecida. Aquele local era
estrategicamente importante, segundo os elfos rebeldes e, por isso, nossa
missão era expulsar qualquer mal que lá poderia haver. A possibilidade de haver
uma raça bondosa ou pacífica naquele lugar era remota.
Foi então, que, através de
conversas com elfos e juntando algumas evidências, Castiel veio com a teoria
sobre essa raça. Finntrolls, ou Trolls Nobres.
Até aquele momento, eu já havia
ouvido histórias sobre os trolls. Monstros grandes, feitos de vegetal que
usavam suas garras para rasgar suas vítimas, além de mordidas bastante
doloridas. Eram seres não naturais, ou seja, criados por algum mago maluco ou
maligno (ou ambos) para servirem de guardas. Ou algo assim. Porém, a teoria de
Castiel se baseava nos escritos de um autor historiador anão (não me recordo o
nome que ele deu). Os finntrolls seriam uma raça sofisticada, maligna que
teriam criado os trolls em primeiro lugar e os espalhados pelo mundo. A
historiografia recente aceita esse argumento, pois a famosa guerra no
subterrâneo, o Chamado às Armas, foi um conflito entre anões e trolls que durou
uma década. Era difícil imaginar que uma raça de inteligência rudimentar fosse
sustentar uma guerra tão longa contra os anões, um povo inteligente e
guerreiro. Portanto, haver uma raça por detrás das ações dos trolls, uma raça
inteligente, era perfeitamente plausível. Fiquei pensando sobre o assunto e na
possibilidade disso virar um artigo a ser publicado na Universidade Imperial.
Dormimos em um platô simples,
perto da cachoeira, perto da montanha. No dia seguinte, usaríamos as cordas
para descer um a um para dentro da cachoeira, passando por trás dela. A partir
daí, tudo seria um mistério. Não sabíamos quem iríamos encontrar ou o que.
Dormi no dia 18 de Luvitas e acordei para meu turno na guarda no dia do meu
aniversário, de madrugada. Comentei com Harel, o meu parceiro de turnos de
vigia, mas por falta de opção. O elfo sequer pareceu me ouvir. Normal, ele era
grosso, difícil crer que era um elfo de verdade. E também possuía mais de um
século de vida. Com vinte e quatro anos era possível que ele ainda usasse
fraudas.
O dia chegou ameno, mas ainda
muito mais quente que o inverno que eu estava acostumado em Valkaria, que
geralmente nevava. Então, um a um, entramos na caverna. Não sem ver Nathaniel
retumbantemente fracassar em sua tentativa de escalar. Ele tinha uns trinta e
cinco anos, não era lá tão velho assim, mas seus braços e pernas finas o faziam
parecer muito mais velho. Meu pai, naquela época com seus cinquenta e seis
anos, tinha muito mais físico que ele.
Logo que entramos na caverna,
percebemos uma civilização anã que vivia por ali antes da invasão dos supostos
finntrolls. Havia estátuas e esqueletos cheios de teias de aranha espalhados
pelos cômodos que íamos descobrindo. A iluminação nula foi extirpada
(juntamente com nossa furtividade, nosso elemento surpresa) com os poderosos
globos de luz de Nathaniel. O nosso clérigo, abençoado por Wynna e mago lançou
estas curiosas magias para iluminar bastante o nosso caminho. A magia de luz
simples podia ser conjurada sobre um objeto e este objeto podia ser carregado,
funcionando como uma tocha acesa. Porém, o globo de luz eram quatro fontes de
luz que não se moviam, mas podiam ficar em cada canto de uma sala, por exemplo,
iluminando muito mais que uma tocha ou que a magia simples de luz. Desse modo,
Nathaniel conjurava suas luzes mágicas em cada cômodo que andávamos, de modo
que eu sequer tive sinal de penumbra naquele local antigo e abandonado fazia
anos.
Elinia fez uma leitura dos
rastros e decidimos pegar o caminho sem nenhuma pegada recente. Drake decidiu
isso, pois achava, talvez, que poderíamos encontrar um rubi da virtude antes de
encontrarmos os finntrolls. Entretanto, depois de descer escadas decrépitas,
encontramos nossos primeiros inimigos. Não finntrolls, mas trolls. Feios,
enormes, perigosos. Eram como as histórias contavam, pois eram verdes, altos e
magros, com garras longas e afiadas. Nariz fino e pontudo, borrachudo, cheio de
verrugas. Olhar simplório e de inteligência rudimentar. Seus dentes eram
afiados também. Mas o que mais me incomodavam era o barulho que faziam. Nenhum.
Os trolls eram terrivelmente silenciosos. Não gritavam, não demonstravam
emoções. Pareciam estar apenas cumprindo um dever infinito de comer.
O combate começou enquanto
ainda estávamos em um corredor apertado de não muito mais de três metros. Os
trolls estavam em uma sala mais ampla, cheia de chão para eu me mover. Havia
três ao todo no momento. Drake nos disse para ficarmos juntos, no corredor,
para que os monstros tivessem dificuldades de passar. De fato, apenas um deles
teria que passar por vez para nos enfrentar. Porém, apenas dois de nós teria
condições de lutar sem nenhum percalço. Na verdade, três, pois eu poderia me
esgueirar, desvencilhar e lutar do outro lado do troll. Mas mesmo assim, eu
ainda teria outro troll em minhas costas e provavelmente eu visitaria o Reino
dos Deuses novamente.
Como eu não tinha vontade de me
fazer um frequentador do mundo dos deuses, aguardei a decisão de Gulsh sobre o
que fazer. E também de Drake e Victor, outros homens fortes do grupo. Nathaniel
tratou logo de lançar uma área escorregadia para derrubar os trolls. Lançou
duas, depois três e depois quatro vezes ao longo do combate. E isso acabou que
atrapalhou a movimentação de Gulsh (que chegou a cair umas duas vezes durante o
combate e mais uma vez após o combate!) e de Drake, que teve que andar mais
para circular aquela área. E acredite, caro leitor, andar com aquele peso todo
de uma armadura de batalha deve ser bastante difícil.
Porém, logo no começo do
combate, eu larguei de mão de pensamentos críticos e racionais sobre a situação
do combate. Assim que Gulsh avançou, saindo do corredor e encarando um troll de
frente, Elinia o seguiu com Lyca, prontas para cercar os flancos da criatura.
Aparentemente, Lyca estava mais poderosa, com uma mordida muito mais forte do
que antes. Eu me movi com Victor e fui encarar outro troll, ainda tentando me
valer um pouco do corredor para me proteger. Entretanto, outro troll chegou. A
área escorregadia acabou atrapalhando os passos de Gulsh. Drake acabou
enfrentando sozinho um troll e isolado do resto de nós. Gulsh decidiu sair do combate
quando dois trolls se juntaram para enfrentá-lo. Elinia, que estava ao seu
lado, permaneceu ali e foi pega por um dos trolls.
A partir dali, eu vi tudo
lentamente. Uma garra dilacerou seu braço. Outra garra dilacerou sua barriga.
Encravadas em sua carne, o troll ergueu Elinia do chão e a aproximou de sua
bocarra distorcida e cheia de dentes. Meu coração parou. A mordida que ele deu
em sua jugular foi profunda demais. Muita carne fora comida. Vi o pedaço de Elinia
descendo goela abaixo do troll. Ela logo foi descartada como um saco de batatas
podres. Ela caiu morta.
Enchi meu peito de ódio e
saltei sobre tudo e sobre todos até o troll. O monstro era um pouco mais que um
bicho e por isso eu amaldiçoo os finntrolls, por não terem colocado inteligência
suficiente para eles entenderem o significado de vingança. Minha katana furou o
peito da criatura e rasgou rente. Victor brotou ao meu lado e amassou a cara do
monstro com seus poderosos socos. Depois, dois mísseis mágicos que eu
acreditava serem de Patrick (mas na verdade eu soube depois que eram de
Nathaniel) acabaram por desmontar o inimigo. Então, Patrick chegou com uma
tocha acesa e queimou os restos do troll. Esta era a única fraqueza daqueles
bichos. Fogo. Eles podiam ser feridos, cortados, dilacerados, perfurados,
contundidos. Mas sempre regeneravam. Só não podiam regenerar fogo.
Por isso, enquanto terminávamos
de desmembrar os trolls, Patrick passava a tocha sobre seus corpos para permanecerem
mortos.
Após a morte de Elinia, eu
lutei como um demônio. Nunca corri tanto, movi tanto minha katana com tanta
habilidade. Derrubei o último troll com uma estocada em seu rosto, furando o
maxilar e fazendo a ponta da espada brotar em sua nuca. Após o combate ter
finalizado, sem mais trolls brotando do outro lado daquela sala, meus braços
abaixaram e eu senti o peso da morte de Elinia.
Não me entenda mal, caro
leitor. Eu já havia superado aquela druida. Certamente tive uma pequena queda
por ela, mas suas recusas às minhas investidas foram suficientemente
definitivas. Desse modo, eu a via como mais um membro do grupo. O mais belo
membro do grupo, é verdade, mas ainda assim, sem nenhum sentimento extra.
Porém, sua morte veio para me confundir tudo. No começo, pensei estar apenas
entristecido pela morte de um companheiro de grupo, como estaria se Victor ou
Patrick morressem. Mas havia mais um pouco ali.
Drake e Nathaniel começaram a
discutir sobre as estratégias do combate, como a área escorregadia do nosso
clérigo e mago de Wynna mais atrapalharam do que ajudaram. Eles debatiam alto.
Drake era todo sério, usava argumentos simples e pragmáticos. Nathaniel tinha
uma pomposidade digna de magos estudiosos, com pouca prática fora de suas
torres. Confesso que não cheguei a pensar ou a me incomodar com aquela magia e
nem tinha cabeça para pensar nisso naquele momento.
- Vocês nem deixaram o corpo
esfriar. – Disse Castiel, pegando o corpo de Elinia. Ela estava irreconhecível.
No começo, não havia entendido
o que Castiel queria dizer. Ele estava incomodado com o fato de Drake e
Nathaniel estarem discutindo a trajetória do combate com os trolls. Eu não
conseguia raciocinar direito, estava paralisado, atônito. Também não pensava em
Elinia. Nem cheguei a sentir necessidade de refletir sobre meus momentos com
ela, que não foram muitos e também não foram românticos. Apenas fiquei ali,
vendo o grupo brigar e vendo o corpo de Elinia nos braços de Castiel.
A morte é um negócio curioso.
Para as pessoas comuns, a morte é completamente definitiva, irreversível. Para
alguns, até um fato corriqueiro que não demanda esforço emocional. Para
aventureiros, é um fardo, um trabalho extra, pois existem milagres no mundo que
podem trazer uma pessoa à vida. Vide meu caso e o de Blasco. Porém, estes
milagres estão acessíveis somente mesmo a quem leva a vida na estrada,
arriscando o pescoço por missões que nenhuma pessoa comum poderia cumprir.
Mesmo assim, para mim, aquela
morte foi bastante pesada. Perdi totalmente a força dos meus braços. Queria
apenas retornar para o acampamento dos elfos rebeldes e pedir para Ennora
ressuscitá-la. Como não havia falado com ninguém sobre isso, especificamente,
não sabia se ela tinha outro pergaminho milagroso, mas eu sequer pensei na
possibilidade de não haver um. Para mim, Elinia voltaria à vida em breve e isso
acabou que frustrou meu luto por ela, meu desejo de ter um momento de fossa,
desespero, como uma pessoa comum que perde um ente querido. Fiquei alucinado
apenas durante o calor do combate a fim de vingá-la.
Acompanhei Castiel com o
cadáver de Elinia nos braços, juntamente de Patrick. Cada passo meu era
automático, sem nenhuma reflexão sobre o que estava acontecendo. Então, a
poderosa voz de Drake me trouxe um pouco mais à realidade.
- Dê-me o corpo de Elinia. Temos
que continuar. Ir embora agora fará nossa missão fracassar.
Castiel virou-se para Drake com
raiva. Senti uma enorme tensão no ar. Ele entregou o corpo dela em seguida.
- Quantos corpos serão empilhados
sob sua liderança? Ontem foram dois. Agora, três. Quantos mais até ao fim do
dia?
Aquilo me fez pensar
profundamente. No momento, eu ainda guardava rancor de Drake. Sentia falta de
ter um luto verdadeiro pela morte de Elinia. E, claro, estava totalmente
desmotivado a continuar lutando.
O debate se sucedeu mesmo após
a ida de Castiel. Nathaniel também se envolveu na discussão, agora ao lado de
Drake, deixando de lado as diferenças que tinham no sobre como agir durante o
combate. Nathaniel tentou convencer Castiel a ficar, mas o elfo estava
irredutível e foi embora. Foi mais determinado que eu. Eu, como sempre,
balancei, fiquei pensando demais.
Castiel, talvez por ter chegado
depois, não recebeu muitos esforços argumentativos de Drake para ficar, pois a
missão dos deuses nos foi confiada antes de sua chegada. Mas comigo, ele foi
mais duro, questionou meu comprometimento com a missão e achou ruim eu
considerar a vida dos meus companheiros mais importantes que a missão. Pensei
que era fácil um imortal como ele achar isso. Falei que era fácil ter tamanho
comprometimento sendo agraciado pelos deuses como ele, um paladino e como
Nathaniel, um clérigo. Apenas tentei me postar humilde na situação.
- Queria ter a sabedoria de
vocês, Drake e Nathaniel. A sabedoria de entender que a missão, no fundo, é
mais importante. E eu até posso achar isso racionalmente certo. Mas meus braços,
meu sentimento... não posso ignorar minhas emoções. Não tenho condições de me
concentrar em um combate novamente, estou cansado depois do que vi. Ainda tem
sangue de Elinia em meu rosto. – Passei o braço do sobretudo no meu rosto para,
simbolicamente, tirar o suposto sangue que não havia de verdade, apenas o suor
do pós-combate.
Mesmo assim, Nathaniel era mais
paciente e soube me contornar. Eu fui levado pelo momento, como sempre. Se
Castiel tivesse tentado argumentar comigo, a discussão seria infinita. Acharia
certo ir embora com Castiel tanto como achava certo continuar a missão com
Drake e os outros. Victor também disse estar na mesma situação que eu. Ao meu
exemplo, Victor também gostava bastante de Elinia, mas sentia que ir embora ali
seria ruim para todos. Harel não se pronunciou, apenas ficou mirando seu arco,
indiferente à discussão. Elinia não era ninguém para ele. Gulsh também não
entendia porque tanta discussão, queria apenas continuar logo. O que Blasco
teria pensado sobre isso?
Patrick acabou também sendo
convencido a ficar, de modo que Castiel foi o único a ir embora, totalmente
desgostoso com a liderança de Drake. Ele pensava como eu, mas tinha pouca
paciência e pouca disposição para ficar sujeito à liderança de alguém que
considerava inapto para o cargo de líder. Eu apenas não tinha forças para
argumentar o contrário, até porque considerava Drake inapto apenas por ser
inexperiente. Mas todos nós éramos.
Continuamos a vasculhar mais
salas e cômodos dos anões, sem nenhum sinal de outros trolls ou mesmo dos
finntrolls. A essa altura já considerávamos que os trolls nobres eram uma
realidade, devido ao confronto com os trolls.
Encontramos várias armadilhas
pelo caminho, todas eficientemente desarmadas por Harel. Ele havia demonstrado
ser bastante versátil para nós, ainda que com um humor bastante destoante do
restante de nós e sem muito entrosamento por conta de sua personalidade direta.
Eu, ao contrário, fiquei mais próximo de Victor. Já éramos mais próximos do
grupo, juntamente com Blasco, mas dessa vez o pequenino caolho não estava
conosco. No combate, nós dois sempre acabávamos nos aliando contra um inimigo.
Tanto que durante a chegada a
outra sala, encontramos mais dois trolls. Dessa vez, ficamos no corredor mais
tempo, ficando assim, longe do alcance de suas garras e dentes afiados.
Nathaniel conjurou novamente sua área escorregadia e atrapalhou os trolls.
Dessa vez, atrapalhou menos o grupo. Eu me movimente, desviando das garras e
mordidas com facilidade que me era comum enquanto eu me movia como um raio, mas
não fui para muito longe, com medo de ficar sozinho e isolado. Ao contrário de
Drake, que sempre dava um jeito de atrair os ataques, eu não tinha uma armadura
que me ajudava a sustentar tantos golpes. Nem tinha a resistência sobrenatural
aos castigos corporais como Victor. Eu era apenas ágil e forte. Meus golpes
eram precisos e poderosos demais, rivalizando com a enorme lâmina de Gulsh. Mas
eu era pouco resistente. Um golpe de um troll poderia facilmente me abater.
E foi o que acabou acontecendo.
Depois de ter a carne cortada por duas garras, fiquei a beira de morrer de
novo. Após perder a consciência, abri os olhos segundos depois ouvindo um
assovio ao longe. Seria Castiel? Sei que levantei e me afastei do combate, para
respirar. Não tinha condições de luta, como havia dito a todos anteriormente.
Dito e feito, quase morri de novo. Olhei com um pouco de desprezo e rancor para
Drake, mas resolvi não criar caso ainda.
Após o término do combate, com
o fogo da tocha de Patrick, eis que vem a surpresa.
O corpo de Elinia estava sendo
carregado até então por Drake. Quando vimos os trolls, ele a deixou gentilmente
no chão antes de partir para a luta. A partir disso, eu tinha ouvido passos
vindo da direção contrária, mas a batalha com os trolls chamou toda minha
atenção. Soube depois que era Castiel voltando. Ele chegou ao combate, pegou o
corpo de Elinia e assoviou uma cura. Foi ele quem me salvou, diferente da vez
em que morri sangrando no meio do acampamento hobgoblin. E agora, Elinia voltava
viva. Ela havia sido ressuscitada por Allihanna, sua Deusa da Natureza. De
fato, os argumentos de que os deuses estavam efetivamente conosco era mais do
que uma verdade abstrata. Era concreto, físico e visível. Drake olhou para mim
com um irritante “eu não te falei?” estampado na cara. Mas meu rancor sumiu
imediatamente. Ela estava viva.
Victor olhou para mim e, me
vendo imóvel ao vê-la, abraçou Elinia primeiro. Eu depois lhe disse algumas
palavras toscas, como era de se esperar. Algo sobre sua morte não ter sido em
vão. Ou que ela foi vingada. Algo assim. Algo que um jovem de vinte e quatro anos
falaria sem muito floreio.
A morte havia deixado de ser um
empecilho. Foi ali que senti, de verdade mesmo, que estava acima das pessoas
comuns.
Ainda encontramos um tesouro de
moedas de platina, raríssimas e, por isso, valiosíssimas. Valiam mais que ouro.
Deixamos como “fundos do grupo”, ao invés de dividir individualmente. Era um
modo mais democrático de se manter o controle do grupo, certamente. E pra mim,
tesouros nunca foram tão importantes assim, mas sim as aventuras e meus
companheiros.
Vendo que não havia mais
lugares para ir, decidimos voltar ao começo e pegar o outro caminho, onde havia
rastros de pegadas. Agora, talvez, fossemos de fato conhecer os finntrolls.
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