
Lamnor Leste, ruínas do castelo de Cobar
A penumbra permeava o cenário desolado. Ruínas de um antigo castelo, erodido pelo tempo, destruído pela mão dos goblinóides, lentamente apagado da memória de todo um povo revelava salas e ante-salas, corredores e escadarias. Sua estrutura decrepta denunciava todas as intempéries sofridas ao longo dos séculos. Cercos, terremotos, ataques mágicos, saques, tempestades. Vários vazios preenchiam o castelo em todas as direções como dentadas de uma besta titânica, buracos gigantescos de punhos invisíveis que retratavam toda sua fúria, deixando de pé apenas as pedras teimosas demais para não ruírem.
No centro de tão precária construção delineava-se um grande salão oval, com colunas a muito partidas, pontilhando a sala com destroços, e um trono de pedra mármore muito branca, manchado em diversos lugares e dilapidado em outros tantos, onde talvez o sangue do antigo rei tenha sido derramado pelos invasores e o festim da vitória tenha começado.
Sentado imóvel nesse altar de demência, uma figura coberta por mantos negros aguardava seus convivas. O cenário mudara rápido demais, ele tinha certeza. Ou talvez fossem os efeitos da sua nova condição. Será que o tempo era assim tão lúdico para os que viviam demais? Será que os elfos, os dragões, as criaturas abençoadas com idade longeva sentiam-no como um simples devaneio, uma coisa quase intangível, incapaz de tocá-los, de mudá-los, de afetá-los?Seria a eternidade uma maldição ou uma bênção?
Um ruído o arrancou de seus pensamentos melancólicos e ele se levantou, antevendo sua chegada. Quatro figuras igualmente vestidas de mantos negros atravessaram os portais do salão, preenchendo o ambiente com o ecoar de seus passos ritmados.
- Olá Ahenobarbo. - Cumprimentou a menor das figuras, que rivalizava em altura com uma criança humana.
- Olá Giles. Sejam bem-vindos. Throlian. Eliza. Theudger. - pontuando cada nome com um aceno leve de sua cabeça coberta pelo capuz, ele tornou a se sentar.
- Comecemos pois nossa deliberação de aequus nox. - baixando o capus ele expôs seu rosto, seguido pelos outros quatro, que já haviam assumido suas posições ao redor do homem, um em cada um de seus pontos cardeais.
- Mais uma vez todo o contexto que prevíamos fora alterado pelo aparecimento de duas variáveis inesperadas. Enquanto falamos, os acontecimentos se desenrolam ao norte de Yuden. Um grupelho tenta impedir que o Flagelo dos Dragões volte à vida, atitude essa corroborada pelo Ancestral Azul do Grande Jogo.
- Eu preparei pessoalmente o cenário, mestre Ahenobarbo. Eles não vão conseguir - protestou uma voz feminina, Eliza.
- É imperativo que ele retorne, uma chance dessas não pode ser desperdiçada! - exacerbou-se o menor dos três, Giles.
Com um olhar gélido Ahenobarbo, que permanecia sentado incólume no trono, destruiu o entusiasmo de Giles. E pôs-se a falar.
- Você não está mais no centro, Giles. Seu tempo passou e veja tudo o que realizou. - seus olhos faiscavam de uma fúria contida, gélida, letal - Destruiu Lennórien. Trouxe a Tormenta. Matou Glórienn. Pôs Igasehra no panteão, almejando status de Deus. O que mais tenciona tocar com seus deods podres Giles? O que mais sua mente limitada pretende macular?
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A bordo do Segredo Maldito, porto de Antor, ilha de Ocvran.
Ele fitava o oceano, digerindo sua última visita. A grande escotilha na popa da nau pirata proporcionava uma bela visão do pôr-do-sol. O imenso globo dourado imergindo no azul turquesa do oceano. Fogo sobre a água. Mesmo renegando suas origens, o belo ainda o atraía vez por outra. E mesmo belo era uma definição distorcida em sua cabeça.
Os cabelos negros como piche escorriam por sua camisa de seda até os ombros, contrastando com a tez alva de nuvem. Os olhos azuis ferozes iluminavam a face aguçada, algo cruel, do capitão do Segredo Maldito. Mesmo a compleição esquálida dos elfos encaixava-se bem na figura do capitão, emprestando-lhe uma aparência ágil e audaz. Definitivamente perigoso.
Azgher já havia quase deixado o céu quando...
Knock! kNoCk!
- Bill, posso lhe falar? - uma voz grossa de enforcado fez-se presente à porta.
- Claro Will. Entre.
Aconchegando-se num sofá macio de couro no canto do aposento, o homem deixou-se relaxar. Will era um humano poderoso, braços de canhão entrecortados por cicatrizes e tatuagens. Os músculos do pescoço marcado por um enforcamento mal-sucedido saltavam no esforço de falar. No rosto escanhoado evidenciava-se uma cicatriz oblíqua, talhando-lhe a face da sobrancelha direita ao maxilar esquerdo. Olhos castanhos como o olmo e cabelo loiro de trigo já rasgado de branco completavam a visão. Trajava roupas simples e leves, camisa de seda e calças curtas de linho.
Os cabelos negros como piche escorriam por sua camisa de seda até os ombros, contrastando com a tez alva de nuvem. Os olhos azuis ferozes iluminavam a face aguçada, algo cruel, do capitão do Segredo Maldito. Mesmo a compleição esquálida dos elfos encaixava-se bem na figura do capitão, emprestando-lhe uma aparência ágil e audaz. Definitivamente perigoso.
Azgher já havia quase deixado o céu quando...
Knock! kNoCk!
- Bill, posso lhe falar? - uma voz grossa de enforcado fez-se presente à porta.
- Claro Will. Entre.
Aconchegando-se num sofá macio de couro no canto do aposento, o homem deixou-se relaxar. Will era um humano poderoso, braços de canhão entrecortados por cicatrizes e tatuagens. Os músculos do pescoço marcado por um enforcamento mal-sucedido saltavam no esforço de falar. No rosto escanhoado evidenciava-se uma cicatriz oblíqua, talhando-lhe a face da sobrancelha direita ao maxilar esquerdo. Olhos castanhos como o olmo e cabelo loiro de trigo já rasgado de branco completavam a visão. Trajava roupas simples e leves, camisa de seda e calças curtas de linho.
Suas mãos falvam tanto quanto sua boca.
- A tripulação quer saber quando atacaremos, Bill. As notícias da chegada das vacas a Malpetrim já não é mais um boato entre os homens. Os outros comandantes já alardeam nossa preguiça e os espírito nos conveses começa a esquentar.
- Era justamente nesse assunto que eu estava pensando Will. Tenho aliados valiosos em Malpetrim. Fui criado naquela pocilga. Não quero vê-la destruída por aquelas vacas. Não agora que consegui chegar tão longe. E ainda assim, nessa hora negra, ele me convoca!
Com um movimento rápido o elfo esmurrou a mesa sobre a qual fitava o mar, destruindo uma de suas pernas. Já antevendo a tempestade, Will afundou-se ainda mais no sofá.
- Aquele maldito carniceiro pestilento! - outro murro - Por que convocar o Pelotão depois de tanto tempo? Pra quê? Caçar uma merda de defunto que ele não foi capaz de manter perto de si! - mais um murro, e a mesa se partiu em duas. Ao menos isso pareceu acalmá-lo um pouco, pois o elfo pôs-se a caminhar pelo aposento.
- Eu queria eu mesmo estripar aquele gado do inferno. Tecer velas com seu couro fedido e decorar minhas amuradas com seus chifres amarelados. Por que eles nunca se contentam em pastar e trepar com suas escravas de merda? - caminhando de um lado a outro enquanto falava, lentamente se colocou de fronte a Will - Mas você começará a festa sem mim Will. Tenho que atender ao chamado do Cão de Guerra. Encontrar Oren, Crucius e os outros e espalhar as tripas daquele defunto do Deserto da Perdição até Khalifor.
- Eu Bill? Tem certeza? - indaga levantando-se um surpreso Will. Ele nunca deixara ninguém no comando. Nunca.
- Quem mais eu deixaria senão você, sua mandrião filho de uma puta velha? Quem mais levaria meus homens pra um belo banho de sangue senão o homem que eu mesmo não consegui matar?
Um calafrio percorreu o corpo de Will no momento em que as palavras deixaram a boca do elfo. Ele ainda tinha pesadelos com aqueles dias. Tinha sido ele que abrira sua cara de um bordo a outro. Tinha sido ele que tentara enforcá-lo no mastro do Desgraça do Enforcado. E tinha falhado. Naquele dia Will ganhara muitas coisas, vida nova, um navio, homens, cicatrizes e mais importante, um mestre.
- Mas você não vai levar o Segredo Maldito. Não. Eu quero que eles se lembrem de mim. Leve os homens para o Inferno Amaldiçoado, chame todos os outros comandantes e relembre aos minotauros quem manda nas águas de Malpetrim.
- E quando você parte pra reunir esse tal pelotão? - Will indagaou sua última pergunta, já de saída, estacado à porta.
- Assim que você deixar o navio, Will. Não sei quando volto mas fique atento, você vai ouvir muitos boatos sobre Billy Alma Negra e o Pelotão do Massacre.
E um sorriso maligno cortou a face de Bill, assim que ele terminou.
Willbourn "Will" Anke teve a certeza de que o que havia presenciado até então, nesses anos como braço direito de Bill, não era nem o punho da espada. Ele conhecia a fama do Inferno Amaldiçoado. Nunca havia posto os olhos no navio mas conhecia todas as histórias e nenhuma delas era diferente de um pesadelo sonhado pelo próprio Leen. A tripulação exultou às ordens de seu capitão e em poucas horas limpou o Segredo Maldito de tudo que era necessário.
O porto secreto de Antor, na ilha pirata de Ocvran, jamais esqueceu daquele dia.
O dia em que a nau mais perversa e maligna que existe voltou a macular o oceano.
O dia em que o Inferno Amaldiçoado navegou outra vez, em busca de mais almas.
O porto secreto de Antor, na ilha pirata de Ocvran, jamais esqueceu daquele dia.
O dia em que a nau mais perversa e maligna que existe voltou a macular o oceano.
O dia em que o Inferno Amaldiçoado navegou outra vez, em busca de mais almas.