domingo, 26 de janeiro de 2014

Diário de Aldred C. Maedoc III - Parte 12

Jetag 19, Luvitas, 1410 CE.

Dia 19, o dia do meu nome. Vinte e quatro anos pisando em Arton. Bem, desconsiderando o dia em que estive morto.
Ao abrir os olhos lentamente, notei que já era tarde da noite. Olhei em volta, estranhando aquele cheiro abafado e percebi estar dentro de uma tenda grande, sobre uma maca feita de cipó e pano leve. À minha frente, vi outra maca, uma figura pequena. Ergui meu corpo pesado e notei ser Blasco. Ele estava de olhos fechados e boca semiaberta. Respirava lentamente, sereno. Estranhei a presença dele ali.
Sai pelo buraco entreaberto da tenda para encarar o céu rosado do final da tarde. Estrelas brilhantes iluminaram meu caminho até outra tenda. A esta altura, eu já sabia estar junto do acampamento dos elfos rebeldes. Vi meu grupo reunido, discutindo e traçando planos.
- A morte doeu? – Perguntou Harel. Este foi meu primeiro contato no mundo dos vivos. Depois que renasci.

- Sim. – Respondi seco ao elfo sem modos. Ele poderia ter sido muito útil na nossa contenda, mas ainda era uma pessoa rude. Outros, como Drake, Patrick e Victor, demonstraram mais gentileza. Gulsh pareceu não ligar muito e Castiel tinha outros pensamentos em mente. Acredito que ele se importava, mas ao modo dele.
Quando adolescente eu já me peguei pensando inúmeras vezes em como seria o além-vida. Quando você morre, se tudo ocorreu bem com sua morte, você renasce em algum dos vinte Reinos dos Deuses. Se você morreu deixando pendências ou por algum trauma, há uma boa chance de sua alma se prender vagando pelo mundo dos vivos. Ou seu corpo poderia adquirir uma não vida como um zumbi. Ainda bem, não foi o meu caso. Ainda que tivesse morrido de forma traumática, aparentemente minha alma não vagou por aí e meu corpo não se animou a sair andando por aí sem mim, em busca de cérebros para comer.
Entretanto, apesar de ter renascido em algum Reino Divino, eu não conseguia me lembrar de qual. Foi uma frustração por muito tempo, até que, anos depois, através de ajuda de magia, percebi que tinha ido à Ramknal, o Reino de Hyninn, o Deus da Trapaça e dos Ladrões. Caros leitores, não vou me ater a estes detalhes por agora. Isto fica para outra oportunidade.
Depois de acordar e reencontrar o grupo, descobri o que aconteceu ao final da batalha no acampamento hobgoblin. Drake expôs sua opinião, dizendo que o plano era bom e deveria ter sido seguido à risca. Ou seja, deveríamos ter andado em bloco e não aberto duas frentes de combate. Discordei, mas não tentei culpar ninguém pela minha morte. Morri por ações escolhidas por mim, mas dentro do que fiz, foi o melhor possível. Não tinha como saber da pontaria perfeita do capitão hobgoblin. Ou que eu não teria a chance de ser curado por um assovio. Mas decidi não expor meu rancor no momento e aceitei que ficasse esse ponto discordante no ar.
Descobri que Ennora, a elfa clériga de Tanna-Toh, havia me ressuscitado através de poderosos e milagrosos pergaminhos. Ela mesma não possuía domínio de tal poder divino para trazer alguém do Reino dos Deuses. Foi assim que descobri também que Blasco havia morrido e ela o havia ressuscitado também.
Segundo as histórias de aventuras dos meus pais (que jamais morreram durante suas duas décadas de missões perigosas), o milagre da ressurreição era bastante raro e eles mesmos só tiveram contato com esse tipo de poder depois de uma década na estrada. Eu posso dizer que sou um abençoado pelos deuses por ter tido contato com esse milagre logo no meu primeiro ano de aventuras. Ou não, o fato de ter morrido no primeiro ano pode não ter sido um bom sinal. O fato é que ressuscitar era um efeito instantâneo. Assim que a magia divina termina de ser conjurada, você volta à vida. Entretanto, eu acordei somente horas depois. E Blasco ainda não havia acordado. Talvez pelo fato do milagre ter sido conjurado por um pergaminho e não pelas próprias capacidades da clériga Ennora.
Por conta deste fato, Blasco ficou de fora de nossa próxima contenda.
Seguimos viagem o dia seguinte, ainda amargurados pela experiência ruim no combate no acampamento hobgoblin. Drake acreditava, imutável, que estava certo em sua ação. Eu o via como um cabeça dura que ainda nos colocaria em grandes perigos. Mas talvez fosse algo muito exagerado na minha cabeça. Portanto, tentei não pensar muito nisso. Eu estava vivo novamente, estava numa missão dos deuses e queria terminar logo com isso.
Como havia dito anteriormente, agora faltava a segunda parte de nossa missão. Atrás de uma enorme cachoeira, havia uma caverna antiga e ocupada por uma raça desconhecida. Aquele local era estrategicamente importante, segundo os elfos rebeldes e, por isso, nossa missão era expulsar qualquer mal que lá poderia haver. A possibilidade de haver uma raça bondosa ou pacífica naquele lugar era remota.
Foi então, que, através de conversas com elfos e juntando algumas evidências, Castiel veio com a teoria sobre essa raça. Finntrolls, ou Trolls Nobres.
Até aquele momento, eu já havia ouvido histórias sobre os trolls. Monstros grandes, feitos de vegetal que usavam suas garras para rasgar suas vítimas, além de mordidas bastante doloridas. Eram seres não naturais, ou seja, criados por algum mago maluco ou maligno (ou ambos) para servirem de guardas. Ou algo assim. Porém, a teoria de Castiel se baseava nos escritos de um autor historiador anão (não me recordo o nome que ele deu). Os finntrolls seriam uma raça sofisticada, maligna que teriam criado os trolls em primeiro lugar e os espalhados pelo mundo. A historiografia recente aceita esse argumento, pois a famosa guerra no subterrâneo, o Chamado às Armas, foi um conflito entre anões e trolls que durou uma década. Era difícil imaginar que uma raça de inteligência rudimentar fosse sustentar uma guerra tão longa contra os anões, um povo inteligente e guerreiro. Portanto, haver uma raça por detrás das ações dos trolls, uma raça inteligente, era perfeitamente plausível. Fiquei pensando sobre o assunto e na possibilidade disso virar um artigo a ser publicado na Universidade Imperial.
Dormimos em um platô simples, perto da cachoeira, perto da montanha. No dia seguinte, usaríamos as cordas para descer um a um para dentro da cachoeira, passando por trás dela. A partir daí, tudo seria um mistério. Não sabíamos quem iríamos encontrar ou o que. Dormi no dia 18 de Luvitas e acordei para meu turno na guarda no dia do meu aniversário, de madrugada. Comentei com Harel, o meu parceiro de turnos de vigia, mas por falta de opção. O elfo sequer pareceu me ouvir. Normal, ele era grosso, difícil crer que era um elfo de verdade. E também possuía mais de um século de vida. Com vinte e quatro anos era possível que ele ainda usasse fraudas.
O dia chegou ameno, mas ainda muito mais quente que o inverno que eu estava acostumado em Valkaria, que geralmente nevava. Então, um a um, entramos na caverna. Não sem ver Nathaniel retumbantemente fracassar em sua tentativa de escalar. Ele tinha uns trinta e cinco anos, não era lá tão velho assim, mas seus braços e pernas finas o faziam parecer muito mais velho. Meu pai, naquela época com seus cinquenta e seis anos, tinha muito mais físico que ele.
Logo que entramos na caverna, percebemos uma civilização anã que vivia por ali antes da invasão dos supostos finntrolls. Havia estátuas e esqueletos cheios de teias de aranha espalhados pelos cômodos que íamos descobrindo. A iluminação nula foi extirpada (juntamente com nossa furtividade, nosso elemento surpresa) com os poderosos globos de luz de Nathaniel. O nosso clérigo, abençoado por Wynna e mago lançou estas curiosas magias para iluminar bastante o nosso caminho. A magia de luz simples podia ser conjurada sobre um objeto e este objeto podia ser carregado, funcionando como uma tocha acesa. Porém, o globo de luz eram quatro fontes de luz que não se moviam, mas podiam ficar em cada canto de uma sala, por exemplo, iluminando muito mais que uma tocha ou que a magia simples de luz. Desse modo, Nathaniel conjurava suas luzes mágicas em cada cômodo que andávamos, de modo que eu sequer tive sinal de penumbra naquele local antigo e abandonado fazia anos.
Elinia fez uma leitura dos rastros e decidimos pegar o caminho sem nenhuma pegada recente. Drake decidiu isso, pois achava, talvez, que poderíamos encontrar um rubi da virtude antes de encontrarmos os finntrolls. Entretanto, depois de descer escadas decrépitas, encontramos nossos primeiros inimigos. Não finntrolls, mas trolls. Feios, enormes, perigosos. Eram como as histórias contavam, pois eram verdes, altos e magros, com garras longas e afiadas. Nariz fino e pontudo, borrachudo, cheio de verrugas. Olhar simplório e de inteligência rudimentar. Seus dentes eram afiados também. Mas o que mais me incomodavam era o barulho que faziam. Nenhum. Os trolls eram terrivelmente silenciosos. Não gritavam, não demonstravam emoções. Pareciam estar apenas cumprindo um dever infinito de comer.
O combate começou enquanto ainda estávamos em um corredor apertado de não muito mais de três metros. Os trolls estavam em uma sala mais ampla, cheia de chão para eu me mover. Havia três ao todo no momento. Drake nos disse para ficarmos juntos, no corredor, para que os monstros tivessem dificuldades de passar. De fato, apenas um deles teria que passar por vez para nos enfrentar. Porém, apenas dois de nós teria condições de lutar sem nenhum percalço. Na verdade, três, pois eu poderia me esgueirar, desvencilhar e lutar do outro lado do troll. Mas mesmo assim, eu ainda teria outro troll em minhas costas e provavelmente eu visitaria o Reino dos Deuses novamente.
Como eu não tinha vontade de me fazer um frequentador do mundo dos deuses, aguardei a decisão de Gulsh sobre o que fazer. E também de Drake e Victor, outros homens fortes do grupo. Nathaniel tratou logo de lançar uma área escorregadia para derrubar os trolls. Lançou duas, depois três e depois quatro vezes ao longo do combate. E isso acabou que atrapalhou a movimentação de Gulsh (que chegou a cair umas duas vezes durante o combate e mais uma vez após o combate!) e de Drake, que teve que andar mais para circular aquela área. E acredite, caro leitor, andar com aquele peso todo de uma armadura de batalha deve ser bastante difícil.
Porém, logo no começo do combate, eu larguei de mão de pensamentos críticos e racionais sobre a situação do combate. Assim que Gulsh avançou, saindo do corredor e encarando um troll de frente, Elinia o seguiu com Lyca, prontas para cercar os flancos da criatura. Aparentemente, Lyca estava mais poderosa, com uma mordida muito mais forte do que antes. Eu me movi com Victor e fui encarar outro troll, ainda tentando me valer um pouco do corredor para me proteger. Entretanto, outro troll chegou. A área escorregadia acabou atrapalhando os passos de Gulsh. Drake acabou enfrentando sozinho um troll e isolado do resto de nós. Gulsh decidiu sair do combate quando dois trolls se juntaram para enfrentá-lo. Elinia, que estava ao seu lado, permaneceu ali e foi pega por um dos trolls.
A partir dali, eu vi tudo lentamente. Uma garra dilacerou seu braço. Outra garra dilacerou sua barriga. Encravadas em sua carne, o troll ergueu Elinia do chão e a aproximou de sua bocarra distorcida e cheia de dentes. Meu coração parou. A mordida que ele deu em sua jugular foi profunda demais. Muita carne fora comida. Vi o pedaço de Elinia descendo goela abaixo do troll. Ela logo foi descartada como um saco de batatas podres. Ela caiu morta.
Enchi meu peito de ódio e saltei sobre tudo e sobre todos até o troll. O monstro era um pouco mais que um bicho e por isso eu amaldiçoo os finntrolls, por não terem colocado inteligência suficiente para eles entenderem o significado de vingança. Minha katana furou o peito da criatura e rasgou rente. Victor brotou ao meu lado e amassou a cara do monstro com seus poderosos socos. Depois, dois mísseis mágicos que eu acreditava serem de Patrick (mas na verdade eu soube depois que eram de Nathaniel) acabaram por desmontar o inimigo. Então, Patrick chegou com uma tocha acesa e queimou os restos do troll. Esta era a única fraqueza daqueles bichos. Fogo. Eles podiam ser feridos, cortados, dilacerados, perfurados, contundidos. Mas sempre regeneravam. Só não podiam regenerar fogo.
Por isso, enquanto terminávamos de desmembrar os trolls, Patrick passava a tocha sobre seus corpos para permanecerem mortos.
Após a morte de Elinia, eu lutei como um demônio. Nunca corri tanto, movi tanto minha katana com tanta habilidade. Derrubei o último troll com uma estocada em seu rosto, furando o maxilar e fazendo a ponta da espada brotar em sua nuca. Após o combate ter finalizado, sem mais trolls brotando do outro lado daquela sala, meus braços abaixaram e eu senti o peso da morte de Elinia.
Não me entenda mal, caro leitor. Eu já havia superado aquela druida. Certamente tive uma pequena queda por ela, mas suas recusas às minhas investidas foram suficientemente definitivas. Desse modo, eu a via como mais um membro do grupo. O mais belo membro do grupo, é verdade, mas ainda assim, sem nenhum sentimento extra. Porém, sua morte veio para me confundir tudo. No começo, pensei estar apenas entristecido pela morte de um companheiro de grupo, como estaria se Victor ou Patrick morressem. Mas havia mais um pouco ali.
Drake e Nathaniel começaram a discutir sobre as estratégias do combate, como a área escorregadia do nosso clérigo e mago de Wynna mais atrapalharam do que ajudaram. Eles debatiam alto. Drake era todo sério, usava argumentos simples e pragmáticos. Nathaniel tinha uma pomposidade digna de magos estudiosos, com pouca prática fora de suas torres. Confesso que não cheguei a pensar ou a me incomodar com aquela magia e nem tinha cabeça para pensar nisso naquele momento.
- Vocês nem deixaram o corpo esfriar. – Disse Castiel, pegando o corpo de Elinia. Ela estava irreconhecível.
No começo, não havia entendido o que Castiel queria dizer. Ele estava incomodado com o fato de Drake e Nathaniel estarem discutindo a trajetória do combate com os trolls. Eu não conseguia raciocinar direito, estava paralisado, atônito. Também não pensava em Elinia. Nem cheguei a sentir necessidade de refletir sobre meus momentos com ela, que não foram muitos e também não foram românticos. Apenas fiquei ali, vendo o grupo brigar e vendo o corpo de Elinia nos braços de Castiel.
A morte é um negócio curioso. Para as pessoas comuns, a morte é completamente definitiva, irreversível. Para alguns, até um fato corriqueiro que não demanda esforço emocional. Para aventureiros, é um fardo, um trabalho extra, pois existem milagres no mundo que podem trazer uma pessoa à vida. Vide meu caso e o de Blasco. Porém, estes milagres estão acessíveis somente mesmo a quem leva a vida na estrada, arriscando o pescoço por missões que nenhuma pessoa comum poderia cumprir.
Mesmo assim, para mim, aquela morte foi bastante pesada. Perdi totalmente a força dos meus braços. Queria apenas retornar para o acampamento dos elfos rebeldes e pedir para Ennora ressuscitá-la. Como não havia falado com ninguém sobre isso, especificamente, não sabia se ela tinha outro pergaminho milagroso, mas eu sequer pensei na possibilidade de não haver um. Para mim, Elinia voltaria à vida em breve e isso acabou que frustrou meu luto por ela, meu desejo de ter um momento de fossa, desespero, como uma pessoa comum que perde um ente querido. Fiquei alucinado apenas durante o calor do combate a fim de vingá-la.
Acompanhei Castiel com o cadáver de Elinia nos braços, juntamente de Patrick. Cada passo meu era automático, sem nenhuma reflexão sobre o que estava acontecendo. Então, a poderosa voz de Drake me trouxe um pouco mais à realidade.
- Dê-me o corpo de Elinia. Temos que continuar. Ir embora agora fará nossa missão fracassar.
Castiel virou-se para Drake com raiva. Senti uma enorme tensão no ar. Ele entregou o corpo dela em seguida.
- Quantos corpos serão empilhados sob sua liderança? Ontem foram dois. Agora, três. Quantos mais até ao fim do dia?
Aquilo me fez pensar profundamente. No momento, eu ainda guardava rancor de Drake. Sentia falta de ter um luto verdadeiro pela morte de Elinia. E, claro, estava totalmente desmotivado a continuar lutando.
O debate se sucedeu mesmo após a ida de Castiel. Nathaniel também se envolveu na discussão, agora ao lado de Drake, deixando de lado as diferenças que tinham no sobre como agir durante o combate. Nathaniel tentou convencer Castiel a ficar, mas o elfo estava irredutível e foi embora. Foi mais determinado que eu. Eu, como sempre, balancei, fiquei pensando demais.
Castiel, talvez por ter chegado depois, não recebeu muitos esforços argumentativos de Drake para ficar, pois a missão dos deuses nos foi confiada antes de sua chegada. Mas comigo, ele foi mais duro, questionou meu comprometimento com a missão e achou ruim eu considerar a vida dos meus companheiros mais importantes que a missão. Pensei que era fácil um imortal como ele achar isso. Falei que era fácil ter tamanho comprometimento sendo agraciado pelos deuses como ele, um paladino e como Nathaniel, um clérigo. Apenas tentei me postar humilde na situação.
- Queria ter a sabedoria de vocês, Drake e Nathaniel. A sabedoria de entender que a missão, no fundo, é mais importante. E eu até posso achar isso racionalmente certo. Mas meus braços, meu sentimento... não posso ignorar minhas emoções. Não tenho condições de me concentrar em um combate novamente, estou cansado depois do que vi. Ainda tem sangue de Elinia em meu rosto. – Passei o braço do sobretudo no meu rosto para, simbolicamente, tirar o suposto sangue que não havia de verdade, apenas o suor do pós-combate.
Mesmo assim, Nathaniel era mais paciente e soube me contornar. Eu fui levado pelo momento, como sempre. Se Castiel tivesse tentado argumentar comigo, a discussão seria infinita. Acharia certo ir embora com Castiel tanto como achava certo continuar a missão com Drake e os outros. Victor também disse estar na mesma situação que eu. Ao meu exemplo, Victor também gostava bastante de Elinia, mas sentia que ir embora ali seria ruim para todos. Harel não se pronunciou, apenas ficou mirando seu arco, indiferente à discussão. Elinia não era ninguém para ele. Gulsh também não entendia porque tanta discussão, queria apenas continuar logo. O que Blasco teria pensado sobre isso?
Patrick acabou também sendo convencido a ficar, de modo que Castiel foi o único a ir embora, totalmente desgostoso com a liderança de Drake. Ele pensava como eu, mas tinha pouca paciência e pouca disposição para ficar sujeito à liderança de alguém que considerava inapto para o cargo de líder. Eu apenas não tinha forças para argumentar o contrário, até porque considerava Drake inapto apenas por ser inexperiente. Mas todos nós éramos.
Continuamos a vasculhar mais salas e cômodos dos anões, sem nenhum sinal de outros trolls ou mesmo dos finntrolls. A essa altura já considerávamos que os trolls nobres eram uma realidade, devido ao confronto com os trolls.
Encontramos várias armadilhas pelo caminho, todas eficientemente desarmadas por Harel. Ele havia demonstrado ser bastante versátil para nós, ainda que com um humor bastante destoante do restante de nós e sem muito entrosamento por conta de sua personalidade direta. Eu, ao contrário, fiquei mais próximo de Victor. Já éramos mais próximos do grupo, juntamente com Blasco, mas dessa vez o pequenino caolho não estava conosco. No combate, nós dois sempre acabávamos nos aliando contra um inimigo.
Tanto que durante a chegada a outra sala, encontramos mais dois trolls. Dessa vez, ficamos no corredor mais tempo, ficando assim, longe do alcance de suas garras e dentes afiados. Nathaniel conjurou novamente sua área escorregadia e atrapalhou os trolls. Dessa vez, atrapalhou menos o grupo. Eu me movimente, desviando das garras e mordidas com facilidade que me era comum enquanto eu me movia como um raio, mas não fui para muito longe, com medo de ficar sozinho e isolado. Ao contrário de Drake, que sempre dava um jeito de atrair os ataques, eu não tinha uma armadura que me ajudava a sustentar tantos golpes. Nem tinha a resistência sobrenatural aos castigos corporais como Victor. Eu era apenas ágil e forte. Meus golpes eram precisos e poderosos demais, rivalizando com a enorme lâmina de Gulsh. Mas eu era pouco resistente. Um golpe de um troll poderia facilmente me abater.
E foi o que acabou acontecendo. Depois de ter a carne cortada por duas garras, fiquei a beira de morrer de novo. Após perder a consciência, abri os olhos segundos depois ouvindo um assovio ao longe. Seria Castiel? Sei que levantei e me afastei do combate, para respirar. Não tinha condições de luta, como havia dito a todos anteriormente. Dito e feito, quase morri de novo. Olhei com um pouco de desprezo e rancor para Drake, mas resolvi não criar caso ainda.
Após o término do combate, com o fogo da tocha de Patrick, eis que vem a surpresa.
O corpo de Elinia estava sendo carregado até então por Drake. Quando vimos os trolls, ele a deixou gentilmente no chão antes de partir para a luta. A partir disso, eu tinha ouvido passos vindo da direção contrária, mas a batalha com os trolls chamou toda minha atenção. Soube depois que era Castiel voltando. Ele chegou ao combate, pegou o corpo de Elinia e assoviou uma cura. Foi ele quem me salvou, diferente da vez em que morri sangrando no meio do acampamento hobgoblin. E agora, Elinia voltava viva. Ela havia sido ressuscitada por Allihanna, sua Deusa da Natureza. De fato, os argumentos de que os deuses estavam efetivamente conosco era mais do que uma verdade abstrata. Era concreto, físico e visível. Drake olhou para mim com um irritante “eu não te falei?” estampado na cara. Mas meu rancor sumiu imediatamente. Ela estava viva.
Victor olhou para mim e, me vendo imóvel ao vê-la, abraçou Elinia primeiro. Eu depois lhe disse algumas palavras toscas, como era de se esperar. Algo sobre sua morte não ter sido em vão. Ou que ela foi vingada. Algo assim. Algo que um jovem de vinte e quatro anos falaria sem muito floreio.
A morte havia deixado de ser um empecilho. Foi ali que senti, de verdade mesmo, que estava acima das pessoas comuns.

Ainda encontramos um tesouro de moedas de platina, raríssimas e, por isso, valiosíssimas. Valiam mais que ouro. Deixamos como “fundos do grupo”, ao invés de dividir individualmente. Era um modo mais democrático de se manter o controle do grupo, certamente. E pra mim, tesouros nunca foram tão importantes assim, mas sim as aventuras e meus companheiros.
Vendo que não havia mais lugares para ir, decidimos voltar ao começo e pegar o outro caminho, onde havia rastros de pegadas. Agora, talvez, fossemos de fato conhecer os finntrolls.

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